Capítulo 3

Lívia o chamou várias vezes, até que sua voz começou a revelar impaciência, e só então ele, relutante, desviou o olhar.

Eu achei que o encontro no hotel seria a última vez que eu e Guilherme teríamos qualquer contato antes da minha viagem ao exterior.

Mas, naquela mesma noite em que formalizei minha demissão do cargo de assistente, recebi uma videochamada dele.

Foi algo tão inédito que precisei me controlar para não encerrar a ligação na hora.

Mas desliguei a câmera imediatamente.

— Por que você não liga a câmera? — A voz dele soava claramente descontente.

— Não estou maquiada. — Respondi de forma casual. — Prefiro não aparecer em vídeo. — Assim que falei, eu me arrependi.

Essa desculpa soou como se eu ainda quisesse agradá-lo — como se ainda fosse a mulher que se enfeitava para ele.

— Somos um casal velho, Rafaela. — Como era de se esperar, Guilherme riu, parecia estar de bom humor. — O que mais você tem pra me mostrar? — O tom provocante dele me deu náusea.

— O que você quer? — Perguntei friamente.

Ele percebeu a frieza na minha voz e, instintivamente, endireitou o corpo antes de perguntar:

— Ouvi do RH que você pediu demissão?

Respondi com um simples:

— Uhum.

Sem a menor vontade de explicar.

O silêncio se instalou entre nós até que Guilherme tentou disfarçar com ironia, mas no fim, parecia que estava sem assunto:

— Talvez tenha sido o melhor. Pense bem, você era a esposa do presidente. — Ele argumentou. — Por que insistir em ser assistente? Não era sofrimento à toa? — Fez as perguntas sem dar pausa. — E digo mais, você foi uma funcionária pra lá de "flexível". Mal te via na empresa, mas todo mês eu tinha que te pagar salário. O pessoal já dizia que você só estava lá por favoritismo,que eu promovia por interesse.

Eu o interrompi, impaciente:

— Você não devia estar acompanhando a Lívia?

— Ela e eu não temos nada. — Guilherme murmurou baixo. — Por que eu estaria com ela? - Mas, ao terminar a frase, calou-se

Talvez, ele tenha se lembrado de que eu era apenas a sua ex-esposa. Por um instante, ele pareceu culpado.

— Sobre o divórcio... eu sei que te devo um pedido de desculpas. — Só tive medo de que, se não me divorciasse, as pessoas falassem mal da Lívia...

Assenti.

Lívia não devia ser alvo de fofocas, mas eu merecia ser a piada preferida dos círculos sociais.

Minha voz tornou-se gelada:

— Se não for nada importante, vou desligar.

— Espera! — A voz dele soou ansiosa. — Dia 12 é o nosso aniversário de casamento. Vai ter show do Loubet nesse dia. Eu sei que você queria ir. Vamos juntos, tá bom? Eu te acompanho.

Por um instante, quase contei a verdade pra ele . Mas, antes que eu pudesse dizer algo,a voz distante de Lívia ecoou pelo telefone:

— Guilherme, esqueci minha toalha! Você pode pegar pra mim?

Guilherme não respondeu de imediato. Ele pareceu um tanto hesitante.

— Vai lá. — Eu disse, sem emoção.

Ouvi um barulho de uma cadeira se arrastando que veio do outro lado da chamada, acho que se levantou, mas não desligou o telefone.

— Rafaela, me espera um pouco. Já volto.

Logo depois, ouvi o som de estalos. Era óbvio que Guilherme e Lívia estavam se beijando. Logo escutei um gemido abafado,e a porta do banheiro sendo fechada com força. Sorri diante da ironia e encerrei a ligação.

Justamente naquela hora, Mariana me chamou animada pra sair:

— Vamos pra balada!

Sem pensar duas vezes, larguei o celular e peguei o braço dela.

O mundo ainda tinha tantas coisas capazes de me fazer sorrir.

Antes, eu era completamente cega de amores por aquele homem, mas mudei depois que parei de desperdiçar a minha energia com alguém que tinha ficado no passado.

Os dias sem Guilherme passaram num piscar de olhos.

Quando percebi, faltavam apenas alguns dias pra minha viagem.

Embora não tivéssemos mais contato,ainda soube por Mariana das novidades sobre ele e Lívia.

Diziam que os dois haviam discutido de forma tão intensa que, tomado pela raiva, ele abandonou o jantar no meio, sem se importar em humilhá-la na frente de todos.