Doutor, o Cachorro Vale Mais Que Sua Esposa?

— Ontem, Alícia não me tirou da sua festa de aniversário sem motivo. O labrador dela estava para dar à luz, ela ficou tão nervosa que quase chorou. Eu jamais poderia deixar ela sozinha numa hora dessas. E é só por causa disso que você quer se divorciar? Ainda por cima tentou convencer a Vanessa a largar meu irmão. O que você acha que significa um casamento, afinal? Eliana, quando é que você vai amadurecer e ser um pouco mais como a Alícia?

Sérgio Lima entrou no quarto do hospital com o rosto fechado. Eu mal tinha saído da UTI, ainda muito fraca depois de escapar do pior.

Aquela pessoa que antes se desesperava até quando eu sentia uma simples cólica, agora nem sequer olhava para mim de verdade, preferindo me criticar o tempo todo.

Meus olhos começaram a arder. Tentei segurar, tentei não chorar. Mas não consegui. As lágrimas simplesmente desceram.

Lembrei do que aconteceu no dia passado. A Alícia me mandou o cadáver já apodrecido de um gato de rua, e aquilo me assustou tanto que acabei entrando em trabalho de parto antes da hora. Por sorte, minha amiga, Vanessa Silveira, me levou às pressas para o hospital.

No caminho, liguei desesperada para o Sérgio mil vezes, mas ele não atendeu nenhuma.

Já no hospital, sem nenhum familiar para assinar os papéis, foi a própria Vanessa, que também era obstetra, quem assumiu todos os riscos para que eu pudesse ser operada.

Sofri uma embolia amniótica, tive uma hemorragia grave e ainda um parto prematuro. A cirurgia era complicada demais, e nem a Vanessa, nem os médicos sabiam se dariam conta.

Segurei o máximo que pude, chorando, consegui ainda ligar de novo para o Sérgio, em meio a dor. Era mais um pedido de socorro do que uma despedida.

— Estou com embolia... e sangrando muito. Sérgio... Pelo amor de Deus, me salva... Não quero morrer, tenho só vinte e cinco anos, ainda sou tão nova... Quero ver nosso filho crescer. Se eu realmente morrer...

Eu queria dizer para ele cuidar de si, não se sobrecarregar tanto com o trabalho.

Mas antes de terminar, indignado, ele me cortou:

— Eliana, você sabe o quanto é perigoso um parto de cachorro? Olha, estou te avisando, para de ficar me ligando por causa do parto do cachorro da Alícia! Ela está com esse bicho faz dois anos, se importa muito, não ia deixar ela sozinha só para ir nessa sua festa inútil!

Ele desligou na minha cara.

Naquele momento, achei mesmo que era meu fim. Foi a Vanessa quem não me deixou desabar. Ela segurou minha mão, tentando não tremer, me encorajou o tempo todo.

Meu filho, porém, precisou ser levado correndo para a UTI, mas não havia um remédio essencial.

O marido da Vanessa, Valentino Lima, era dono da empresa responsável por esse medicamento, só que estava ocupado ajudando a Alícia com os filhotes de cachorro, e simplesmente ignorou o próprio sobrinho.

No fim, meu bebê não resistiu.

...

— Vai chorar de novo? Fora chorar, sabe fazer mais o quê? — Sérgio ficou ainda mais impaciente quando me viu chorando, puxando meu braço. — Você mentiu sobre a hemorragia só para eu te fazer companhia e agora ainda faz esse drama no hospital. Tem ideia de como está difícil conseguir leito? Levanta logo, dá entrada na alta e libera a cama para quem realmente precisa!

Ele era obstetra ali no hospital e, se quisesse, era só perguntar para qualquer colega que saberia tudo o que passei. Mas Sérgio nem se deu ao trabalho, porque acreditava no que queria e fim.

Foi aí que a Vanessa entrou, viu a cena e não se aguentou de tanto ódio. Empurrou Sérgio com força, veio até minha cama e já foi puxando o lençol.

— Drama? Que drama? Desde quando para fingir precisa sumir com a barriga de grávida? — Naquele momento crítico, quando a Eliana quase morreu de embolia e sangrava sem parar, você estava ocupado no parto do cachorro da Alícia. Sério, Sérgio, parabéns mesmo! A Eliana escapou por pouco, mas o filho de vocês... Esse não voltou. Agora, está satisfeito?