Capítulo 0002

Sérgio ficou paralisado por um instante ao ver que minha barriga estava completamente lisa, mas logo fechou o rosto numa expressão de desconfiança.

— Vanessa, por mais que você e a Eliana sejam próximas, não devia ter colaborado com essa encenação ridícula e feito uma cesárea adiantada só para ela. — Ele olhou para Vanessa com desprezo. — Quem trata cirurgia como brincadeira não merece ser médica! Onde está a criança agora? Eu...

Não terminou a frase, pois o celular tocou. Era Alícia, avisando que ainda tinha um filhote preso na barriga da cadela.

Sérgio ficou imediatamente aflito.

— Dessa vez você passou de todos os limites, Eliana! Espere só eu terminar de ajudar Alícia com o parto, depois eu volto para acertar contas com você!

Saiu apressado do quarto.

Vanessa deu um passo, tomada por revolta, querendo barrá-lo para exigir explicações. Mas foi impedida por Valentino, seu próprio marido.

— Vanessa, se você quer se destruir, tudo bem, mas não devia colocar a Eliana nessa confusão, ainda mais grávida. O que você quer afinal? — Ele suspirou, cansado. — Olha, por mais que a gente esteja junto há cinco anos, ninguém aguenta esse tipo de drama. Se dessa vez você falou em divórcio, vou fingir que não ouvi, mas não tem próxima vez.

Sem esperar resposta, ele foi atrás do irmão, e os dois saíram às pressas.

Pouco depois, os dois apareceram juntos na live da Alícia, cuidando da cadela e dos filhotes. O chat do aplicativo explodiu de comentários.

[Nossa, a Alícia combina demais com esses dois irmãos.]

[Um é médico cheio de carinho, o outro um empresário mandão... E a Alícia fica com os dois!]

[Olhem como os irmãos olham para os filhotes, igualzinho a um pai olhando para o filho.]

[Só falta saber quem é a mãe dos filhotes, né...]

Alícia ficou sem graça, o rosto corado, e olhou para eles, sorrindo.

— O pessoal da live adora inventar história. Se isso incomodar vocês, posso virar a câmera só para mim.

Sérgio sorriu com gentileza.

— Relaxa, não me importo não.

Valentino também acenou com a cabeça.

— Está tranquilo para mim também.

Vanessa só olhou por dois segundos antes de fechar a transmissão. Respirou fundo, indignada:

— Agora o cachorro virou mais importante que o próprio filho ou sobrinho deles, vê se pode!

Eu senti meus olhos pesarem, ardendo.

— Mas também, aquele é o cachorro da amada deles.

Vanessa se voltou para mim, com um olhar cheio de tristeza.

— E pensar nesse bebê... Você esperou tanto tempo.

— Meu filho usou a própria vida para me acordar, para me mostrar que estava na hora de encerrar de vez esse triângulo. — Minha voz estava seca, quase sem lágrimas.

Chorei tanto que nem tenho mais forças.

Quando a tristeza passou, só ficou o vazio. Só queria terminar tudo aquilo, queria o divórcio imediatamente.

Vanessa também já não enxergava mais futuro ao lado de Valentino.

Juntas, contratamos um advogado e preparamos os papéis de divórcio, mas Sérgio e Valentino sumiram. Eles não atendiam, não respondiam, pareciam ter evaporado.

Já era quase uma da manhã quando, insone, acabei entrando nas redes sociais e encontrei uma publicação da Alícia.

[Ele disse que o cachorro é o filho mais velho dele, então o bebê que tiver vai ter que chamar o cachorro de irmão mais velho? Isso conta como adotar até o amor dos outros?]

No vídeo, a Alícia aparecia de roupão, segurando um filhote de cachorro nas mãos. Dava para ouvir água caindo ao fundo e ver duas camisetas do Sérgio largadas no chão.

Meu peito apertou.

Sérgio sempre ficou pendente da Alícia, os dois nunca foram claros, mas era óbvio o que rolava. Se algum dia eles cruzassem essa linha, ninguém podia dizer que seria surpresa.

Tirei uma captura de tela e mandei uma mensagem para ele.

[Responde meu telefonema ou vou te processar por traição no divórcio. Você escolhe.]

Não demorou muito e o Sérgio ligou, completamente apavorado.

— Eliana, não pensa besteira! Eu só estava tomando banho na casa da Alícia, não aconteceu nada, além disso!

Engoli a raiva, tentando falar devagar:

— Não dava para tomar banho em casa, nem no hotel? Só na casa da Alícia, era uma questão de vida ou morte?

Sérgio hesitou, mas logo ficou furioso e disparou:

— Precisa falar desse jeito? O cachorro da Alícia ficou mal depois do parto, eu só estava ajudando. A gente cresceu junto, a vejo só como uma irmã. O problema é sua cabeça suja, que inventa essas coisas!

— Que irmã é essa, que o cachorro dela vale mais que a esposa ou o próprio filho? Sérgio, nosso filho morreu. Eu mesma quase morri naquela cirurgia. Para você, nós dois valemos menos que o cachorro da Alícia!

Na última frase, minha voz já saiu quebrada. Não consegui segurar, as lágrimas retornaram mais uma vez.