Capítulo 0003

— Você não se cansa desse teatro todo? — Sérgio falou entre os dentes, o olhar tão duro quanto sua voz. — A Alícia ficou sem pregar o olho por causa do parto da cadela, e você? Só porque não consegue controlar seu ciúme, teve coragem de desejar o pior para nosso filho, o bebê que tanto esperamos. Você consegue dormir tranquila depois disso?

Naquele ponto, eu já nem conseguia reunir forças para responder. Só sentia um cansaço que me atravessava.

— Sérgio, vamos acabar com isso agora. Chama logo Valentino, porque a Vanessa também vai se separar dele. E se vocês não aparecerem, conto para todo mundo sobre você e a Alícia. Quero ver quem vai sustentar essa vergonha depois.

A ameaça saiu seca, e foi só ouvir aquilo que o Sérgio, tão pronto a discutir antes, desistiu sem lutar.

A diferença entre amar e não amar às vezes era dolorosamente óbvia.

Naquele instante, lembrei do dia em que descobri a gravidez. Tudo que eu queria era compartilhar aquilo com Sérgio, dar a notícia com todo o entusiasmo do mundo.

Só que ele nem sequer atendeu minhas ligações. Eu precisei caçar por informações com os amigos até descobrir onde ele estava, e então fui atrás dele.

Encontrei Sérgio no meio de um grupo de conhecidos, todos animados comemorando o aniversário do cachorro da Alícia.

Aquele cachorro era esperto. Bastou a Alícia sinalizar e ele disparou em cima de mim, me derrubando sem dó.

Caí no chão e já senti o sangue escorrendo.

Sérgio nem pensou duas vezes antes de me dar uma bronca:

— Dudu não gosta de você. Então por que veio aqui? Olha só o que fez, assustou o cachorro e ainda estragou a festa dele!

Eu mal conseguia segurar a dor enquanto dizia:

— Eu só vim porque queria te contar que a gente vai ter um filho.

Acreditei, mesmo machucada, que ele ficaria feliz. Imaginava que viria me socorrer, demonstraria um mínimo de emoção.

Mas bastou a Alícia inventar, com aquele sorrisinho: "Nossa, Dudu está com a barriga enorme, aposto que está grávida!", que o Sérgio largou tudo e foi acompanhar, radiante, o exame da cadela.

No final, foi um estranho quem sentiu pena e me levou ao hospital.

Naquele dia, eu já devia ter entendido que só restava deixar tudo para trás. Talvez assim meu bebê ainda estivesse.

Na manhã seguinte, Sérgio e Valentino voltaram à mansão antiga da família Lima, levando Alícia junto. Eu e Vanessa entregamos os papéis de divórcio para eles, sem rodeios.

Sérgio franziu a testa, dizendo com a voz cheia de mágoa e irritação:

— Eliana, a gente lutou tanto para ficar junto, era o nosso primeiro filho... Em nome dele, te dou uma última chance. Pede desculpas para Alícia, a gente esquece esse assunto.

Valentino falou com aquela frieza que machucava:

— O mesmo vale para você, Vanessa.

Ver os dois defendendo Alícia desse jeito só deixava um gosto amargo dentro de mim e da Vanessa.

Alícia piscou, cínica, sorrindo como se tudo fosse um jogo.

— Diferente de vocês, eu perdoo fácil. É só um pedido de desculpa.

Olhei para ela sem nem conseguir segurar o riso amargo.

— A diferença é que eu ainda tenho respeito próprio, coisa que não se compra.

Vanessa foi direto ao ponto:

— Assinem logo esse divórcio. Se vocês querem viver juntos, fiquem à vontade, desde que nos deixem em paz.

Sérgio explodiu, me chamando de irracional, enquanto Valentino debochou. Mas não recuei. Fomos todos ao cartório dar entrada no divórcio.

Eles hesitaram, enrolaram, mas eu e Vanessa pressionamos até arrancar as assinaturas.

Quando saímos dali, uma amiga minha já estava à porta, de preto, esperando por nós.

— Vamos, Eliana. Já passou da hora de se despedir do seu filho. Ele já esperou tempo demais.

Assenti, por dentro, arrasada, mas decidida a seguir.

De repente, Sérgio atravessou a rua num salto, agarrou meu braço e indagou com uma voz tomada de pânico:

— O bebê... ele morreu mesmo?

Eu encarei os olhos dele, gelados.

— Seu filho cachorro está vivo, mas quem morreu foi o meu filho de verdade. Então pode ficar tranquilo.

Arranquei meu braço, deixando só desprezo no lugar de qualquer sentimento. Até Valentino ficou sem chão.

Parecia que os dois se recusavam a encarar a verdade.

Sérgio ligou para um colega no hospital, numa última tentativa de negar a realidade. A resposta veio dura:

— Doutor Sérgio, você não sabia? Três dias atrás, sua esposa quase morreu de embolia. Vanessa salvou a vida dela, mas seu filho não resistiu porque faltou o remédio especial.

O barulho do celular caindo da mão do Sérgio ecoou pelo chão frio. A tela rachou inteira, espalhando trincas como se fossem as feridas espalhadas na nossa história.