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Capítulo 0002

Author: Peixinha
Nem consigo pôr em palavras o que foi dar à luz naquela noite. No desespero, usei as próprias mãos para tentar salvar meus filhos, rasgando meu corpo por dentro, sem medir a dor, só para tentar livrá-los.

O primeiro que consegui tirar já estava sem vida. O sangue jorrava sem parar por aquele buraco aberto, e o segundo acabou ficando preso ali, sem chance de nascer.

O cheiro forte do sangue se espalhou pelo meu cabelo, e eu, abraçada ao corpinho sangrento do bebê, só consegui olhar fixo, até sentir a vida escapando do meu corpo.

Me pego pensando... Se Francisco visse aquilo, será que sentiria alguma coisa? Mas, naquele momento, tudo que ele fazia era apertar Rafaela nos braços, perdido no próprio remorso e arrependimento.

— Foi culpa minha, Rafa! Nunca devia ter deixado a Joyce, grávida, te encontrar desse jeito. Eu juro, essa é a última vez que essa mulher engravida de mim! Você não vai ver mais nenhuma grávida nessa casa! Nem imagina, a Joyce inventou todo tipo de história para me comover. Chegou a mentir, disse que estava com medo de o bebê ser grande demais, que o médico pediu para ela internar logo. Dá para acreditar? Ela aguenta três dias na mata sem comer, mas me diz que tem medo de parto?

Naquele instante, uma dor apertou meu peito tão forte que quase me tirou o ar.

Uma gestante não era como qualquer outra pessoa. E no meu caso, desde que descobri a gravidez de gêmeos, parecia que cada dia era uma batalha. Foram várias internações para segurar os bebês, toda crise era um esforço para salvar nossas vidas.

Quando fui trancada no sótão, supliquei de todas as formas para sair dali. Sabia que, se ficasse aqueles três dias, ia ser tragédia.

Só que Francisco nem hesitou e, na frente de todo mundo, mandou soltar a sentença:

— Vai lá, joga a chave fora! Ninguém entra naquele sótão para ajudar a Joyce! Três dias depois, quero ela ajoelhada pedindo desculpas para Rafa!

Para sobreviver, arranquei o quadro da parede, cortei as mãos tentando forçar a janela. As unhas partiram, sangrei, mas segui em frente, rastejando pelo telhado, me agarrando nas telhas, movendo centímetro a centímetro para encontrar uma saída.

Só que lá embaixo, dava pra ver Francisco estar agarrado em Rafaela, trocando beijos como se nada mais existisse. O clima entre eles já tinha passado de todos os limites. Quando ela o empurrou e olhou assustada para cima, nossos olhares se cruzaram e ela gritou.

Francisco me viu naquele estado, lutando por sair, e ficou possesso, achando que eu queria estragar tudo para ele.

Ele mandou trazer um guindaste, subiu, e sem hesitar, empurrou com aquela máquina até acertar minha barriga, forçando meu corpo de volta para o sótão. O choque foi tanto que parecia que não ia parar de sangrar nunca mais.

Meus olhos ficaram abertos, parados. Só conseguia abraçar os filhos cobertos de sangue. E foi assim que cheguei ao fim.

Enquanto isso, Francisco, sem nem perceber o que aconteceu comigo, oferecia leite na boca da Rafaela.

— Mandei buscar a Joyce para vir te pedir desculpa. Se ela mostrar arrependimento de verdade, vai pro hospital. Senão, deixa ela lá no sótão para parir!

Respirando com dificuldade, Rafaela tomou o leite aos poucos, mas acabou se engasgando, tossindo tanto que os olhos chegavam a lacrimejar.

— Chico, não faz isso com a Joyce. Ter filho é perigoso demais para uma mulher.

Francisco soltou um suspiro, olhando para ela daquele jeito protetor, como se quisesse resguardar Rafaela do mundo inteiro.

— Você é boa demais, Rafa. Por isso a Joyce faz o que quer com você! Ela sobrevive no mato dias sem comer, e você se engasga só de beber leite! — Ele riu, brincando, e passou o dedo no nariz dela. — E vem falar que ter filho é perigoso, como se tivesse experiência no assunto.

Rafaela abaixou o olhar, um pouco nervosa, e murmurou quase chorando:

— Só você enxerga essa minha parte frágil, que eu tento tanto esconder.

Antes que ele dissesse mais alguma coisa, Rafaela ergueu os olhos, agora molhados, mordeu os lábios até ficarem brilhando e, num gesto todo seu, passou os braços pelo pescoço do Francisco, encostando intencionalmente o peito no dele, como se nada além daquele momento importasse.
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