Share

Capítulo 0004

Author: Peixinha
O mordomo engoliu em seco, forçando-se a continuar, mesmo claramente nervoso:

— Senhora... Ela parou de respirar...

Por um segundo, percebi um traço de pânico na voz do Francisco. Mas, antes mesmo que eu conseguisse captar de fato aquele sentimento, ele já voltava à sua frieza habitual:

— Continua fingindo! Quero só ver até onde vai esse teatrinho! Se até em situação de sobrevivência ela aguenta segurar o fôlego por um tempão no mato, passou por tudo quanto é provação... Agora quer enganar quem não entende nada de medicina, fazer vocês acharem que desmaiou mesmo? Chama o médico particular agora, vamos ver ela enganar um profissional de verdade!

O mordomo ficou sem fala, com os olhos arregalados.

— Sr. Francisco, os bebês também...

— Você trabalha para quem, afinal? — Francisco cortou, já perdendo a paciência. — Sou eu quem te paga ou é ela?

— Sim, senhor... Eu já vou chamar o doutor... — Sem alternativa, o mordomo só conseguiu suspirar e saiu apressado.

Rafaela se encostou em Francisco, usando aquela voz mansa e um jeito todo carente:

— Chico, não precisa ficar assim, faz mal ficar bravo...

— Essa Joyce soube virar o jogo como ninguém! Olha só para isso, em poucos anos já virou a dona da casa!

As palavras do Francisco me bateram feito tapa. Três anos foram o bastante para ele esquecer todas as promessas feitas. Logo na nossa festa de casamento, lembrei dele me olhando com aquele brilho nos olhos, dizendo:

“Essa vai ser sempre sua casa. Você é a dona para sempre.”

Agora, as lágrimas caíram sem controle. Mal podia acreditar que, até pouco tempo atrás, eu ainda sonhava que, se ele soubesse do meu sofrimento, do parto difícil, talvez sentisse culpa ou arrependimento. Naquele momento, eu entendia o quanto fui tola, tanto naquela época como agora. Eu realmente acreditei quando ele jurou amor eterno.

Francisco e Rafaela sempre foram aquele casal perfeito, juntos desde pequenos. Por um problema de saúde, Rafaela não podia engravidar. Assim, sem hesitar, ela foi para fora do país, cortou contato, dizendo que não queria prender o futuro do Francisco, único herdeiro da família Moura.

Para lidar com a dor, Francisco mergulhou de cabeça nas aventuras de sobrevivência. E lá fui eu, a líder daquela equipe.

Tempo passou, ele me pediu em casamento, dizendo que admirava minha força e coragem, que eu era a luz para ele, a certeza de ter encontrado o caminho.

Já casados, ele queria que eu deixasse tudo e focasse na família, que eu priorizasse um herdeiro para o Grupo Moura, enquanto ele vinha destruído dos tempos de solteiro, a saúde em frangalhos.

Eu lidando com a pressão da família, cuidando da saúde dele e tentando engravidar. Só no terceiro ano de casamento consegui, finalmente, esperar gêmeos.

Meus sogros explodiram de alegria, mal anunciaram e já disseram ao mundo que esses filhos seriam os únicos herdeiros do Grupo Moura.

Exatamente naquela época, Rafaela voltou. E ainda disse que ela não queria nada do dinheiro, só queria ficar com Francisco.

A partir daí, ele sumia de casa, a camisa branca manchada de batom escarlate.

Pedi o divórcio, mas Francisco não permitiu. Os filhos seriam herdeiros do Grupo Moura, ele não me deixaria sair. Alegou que Rafaela estava doente e precisava dele, botou ela para morar com a gente.

Como ela não suportava grávidas, me trancou no sótão, justo quando meu parto estava perto.

Se existia justiça, Francisco merecia receber cada volta desse sofrimento.

O doutor chegou rápido.

Gabriel Costa, amigo de longa data de Francisco, que sempre cuidou da saúde dele.

Assim que Gabriel entrou, Francisco, de braços cruzados e semblante fechado, já se pronunciou:

— Joyce, quero ver até onde você leva essa encenação.
Continue to read this book for free
Scan code to download App

Latest chapter

  • Gêmeos do Silêncio: Minha Dor, Sua Indiferença   Capítulo 0009

    Quando finalmente encontrou a resposta que buscava no celular, Francisco travou, incapaz de raciocinar, encarando a tela como se o mundo tivesse parado. Inconformado, continuou navegando sem parar, pulando de um site para outro, cada vez mais desesperado. Até que, sem conseguir segurar a angústia, gritou como se quisesse rasgar o peito:— Eu não fazia ideia! Juro por tudo, eu não sabia! Achei que gravidez só terminasse no dia certo. Ninguém nunca me contou que podia ser antes!Pela primeira vez, ele ligou para Gabriel, e, num tom de voz jamais visto, quase implorou:— Gabriel, olha... Se você me trouxer a Joyce de volta, faço qualquer coisa, qualquer acordo, você escolhe!Mas do outro lado foi recebido só com desprezo e ironia.— Vai querer negociar agora? Quem é que faz trato com assassino, Francisco? Aliás, dá uma olhada no seu celular. Sua noiva passou por seis abortos. E está tudo escancarado lá nos trending topics.Francisco ficou parado com o celular na mão, o olhar perdido, sem

  • Gêmeos do Silêncio: Minha Dor, Sua Indiferença   Capítulo 0008

    Gabriel apertava o colarinho de Francisco com tanta força que os dedos ficaram até brancos, e continuou, cheio de ironia:— Você vive jogando lama no nome dela, incapaz de encarar o fato de ser o culpado pela morte da própria esposa e do filho! Tudo isso é só para fugir da verdade, para não admitir que foi você quem causou essa tragédia. A mulher que estava no sótão era a Joyce, sim! Ela só conseguiu dar à luz um bebê, o outro morreu durante o parto, e foi tudo culpa sua!Gabriel soltou o colarinho, o olhar transbordando desprezo.— Sabe por que ainda não fui à polícia denunciar? Porque estou esperando o dia que você vai desmoronar ao descobrir toda a verdade bem na sua cara! E aí, Francisco, tem coragem de chamar um legista para fazer o exame de verdade? Ou está morrendo de medo de confirmar que aquele corpo é mesmo da Joyce?O impacto dessas palavras fez Francisco quase cair de costas, as pernas bambeando sem forças.De volta à mansão, ele se deparou com um novo espetáculo. Rafaela j

  • Gêmeos do Silêncio: Minha Dor, Sua Indiferença   Capítulo 0007

    Francisco fez questão de organizar uma coletiva de imprensa, ostentando um ar triunfante para anunciar "a novidade do século". Como se não bastasse, foi correndo mostrar o romance com Rafaela nas redes sociais, enchendo o feed de frases apaixonadas e piegas.Francisco: [No fim das contas, sempre foi você.]Rafaela: [Procurei a vida inteira e, no final, era só você.]Em segundos, antigos colegas de colégio começaram a pipocar nos comentários:[É bom demais ver vocês juntos! Felicidades!][De uniforme escolar até o altar, agora comecei a acreditar no amor de novo!]No meio da enxurrada de parabéns, o comentário de Gabriel destoou completamente:[Já achou a Joyce, viva, Francisco?]Francisco só respondeu a esse comentário e ainda fixou no topo:[Sr. Costa, se você escondeu a Joyce, como é que vou encontrar?]E foi aí que as coisas desandaram. Bastou a resposta dele se espalhar para começar uma chuva de ataques, críticas, especulações e fofocas de internet.Como nada parecia bastar nesse m

  • Gêmeos do Silêncio: Minha Dor, Sua Indiferença   Capítulo 0006

    Assim que viu o sangue espalhado pelas paredes e meu rosto gélido, preso naquele corpo distorcido num canto do sótão, Rafaela soltou um grito desesperado e se jogou direto nos braços de Francisco, paralisada de medo.— Rafa, calma, não precisa ficar assustada! — Francisco tentou protegê-la, suavizando a voz. — Isso aí é só mais um boneco, só mais uma peça nessa encenação. A Joyce teve a cara de pau de armar tudo isso junto com esses dois só para tentar botar as mãos no que é da nossa família!Ele lançou um olhar duro para o mordomo e Gabriel, deixando claro quem mandava.— Amanhã mesmo dou fim a esse casamento ridículo com a Joyce! O filho dela nunca vai ser reconhecido como herdeiro da família Moura! E vocês dois, se ainda quiserem manter seus empregos, tratem de convencer essa mulher a voltar logo e pedir desculpas para Rafa!— Está falando sério? Quer mesmo que a gente busque quem já morreu bem na sua frente? — Gabriel bufou, indignado, e a revolta ficou escancarada em seu tom de vo

  • Gêmeos do Silêncio: Minha Dor, Sua Indiferença   Capítulo 0005

    A porta do sótão foi arrombada com violência. Como eu estava escorada nela, meu corpo desequilibrado caiu para o lado, rolando sem forças pelo chão, e a criança que eu apertava no colo foi lançada para um canto frio e empoeirado.Meu corpo, totalmente ensanguentado e coberto por camadas espessas de poeira, já não parecia humano, era mais uma sombra ou uma múmia esquecida naquele cenário de abandono.Franzindo a testa, Gabriel manteve o profissionalismo habitual. Ajoelhou perto de mim, mesmo tenso, e verificou meus sinais vitais. Do lado de fora, Francisco torcia o rosto por causa do cheiro de sangue, tapando o nariz sem coragem de pôr os pés no sótão.— O que a Joyce fez agora? Esse cheiro está insuportável aqui dentro! — Ele resmungou, irritado.O mordomo mal ousava respirar, cabeça baixa, lançando olhares ansiosos na direção de Gabriel.— Sr. Francisco... Meus pêsames... — Gabriel murmurou, quase num sussurro.Ele tirou as luvas lentamente, o semblante cada vez mais pesado. O silê

  • Gêmeos do Silêncio: Minha Dor, Sua Indiferença   Capítulo 0004

    O mordomo engoliu em seco, forçando-se a continuar, mesmo claramente nervoso:— Senhora... Ela parou de respirar...Por um segundo, percebi um traço de pânico na voz do Francisco. Mas, antes mesmo que eu conseguisse captar de fato aquele sentimento, ele já voltava à sua frieza habitual:— Continua fingindo! Quero só ver até onde vai esse teatrinho! Se até em situação de sobrevivência ela aguenta segurar o fôlego por um tempão no mato, passou por tudo quanto é provação... Agora quer enganar quem não entende nada de medicina, fazer vocês acharem que desmaiou mesmo? Chama o médico particular agora, vamos ver ela enganar um profissional de verdade!O mordomo ficou sem fala, com os olhos arregalados.— Sr. Francisco, os bebês também...— Você trabalha para quem, afinal? — Francisco cortou, já perdendo a paciência. — Sou eu quem te paga ou é ela?— Sim, senhor... Eu já vou chamar o doutor... — Sem alternativa, o mordomo só conseguiu suspirar e saiu apressado.Rafaela se encostou em Francisco

  • Gêmeos do Silêncio: Minha Dor, Sua Indiferença   Capítulo 0003

    Já sem conseguir se controlar, Francisco puxou Rafaela para um beijo intenso, a respiração entrecortada pelo desejo. Os dois se entregaram ao momento, explorando um ao outro como se tudo que faltava em suas vidas pudesse ser preenchido naquele instante.Porém, quando estavam prestes a ultrapassar todos os limites, Rafaela o afastou bruscamente, ainda ofegante.— Não pode ser assim. — Ela sussurrou, firme. — Agora você é um homem comprometido, Francisco. A Joyce está esperando um filho seu. Eu não vou ser a amante, não quero destruir uma família.O olhar de Francisco ardia, mas ele se obrigou a recuar. A voz saiu rouca, marcada por promessa:— Pode confiar em mim, Rafa. Tudo o que sinto por você é real, nunca vou te magoar. Só preciso que espere mais um pouco. Quero limpar meu passado antes de te dar o melhor de mim.Ele então deu um beijo suave em sua testa, como se Rafaela fosse seu bem mais precioso.O detalhe era que, enquanto Francisco não percebia nada, eu via um brilho triunfante

  • Gêmeos do Silêncio: Minha Dor, Sua Indiferença   Capítulo 0002

    Nem consigo pôr em palavras o que foi dar à luz naquela noite. No desespero, usei as próprias mãos para tentar salvar meus filhos, rasgando meu corpo por dentro, sem medir a dor, só para tentar livrá-los. O primeiro que consegui tirar já estava sem vida. O sangue jorrava sem parar por aquele buraco aberto, e o segundo acabou ficando preso ali, sem chance de nascer. O cheiro forte do sangue se espalhou pelo meu cabelo, e eu, abraçada ao corpinho sangrento do bebê, só consegui olhar fixo, até sentir a vida escapando do meu corpo.Me pego pensando... Se Francisco visse aquilo, será que sentiria alguma coisa? Mas, naquele momento, tudo que ele fazia era apertar Rafaela nos braços, perdido no próprio remorso e arrependimento.— Foi culpa minha, Rafa! Nunca devia ter deixado a Joyce, grávida, te encontrar desse jeito. Eu juro, essa é a última vez que essa mulher engravida de mim! Você não vai ver mais nenhuma grávida nessa casa! Nem imagina, a Joyce inventou todo tipo de história para me c

  • Gêmeos do Silêncio: Minha Dor, Sua Indiferença   Capítulo 0001

    — Por que a Joyce, aquela ciumenta, parou de gritar? — Indagou Francisco, casualmente.— Senhor... Será que ocorreu alguma coisa com a senhora? Ontem à noite, ela gritava de um jeito tão desesperador, parecia estar passando por uma dor horrível... — Respondeu o mordomo.Francisco tomou uma colherada do mingau, soltando um resmungo indiferente, como se nem se importasse:— Ninguém conhece a Joyce melhor do que eu. Isso tudo é só teatro! Dessa vez, ela vai aprender uma lição, assim para de mexer com a Rafa.Inquieto, o mordomo lançou um olhar apreensivo na direção do sótão antes de falar, visivelmente hesitante:— Mas, senhor, a senhora está esperando gêmeos... O médico recomendou internação o quanto antes, para aguardar o parto...Por um instante, Francisco parou, a colher suspensa no ar, o rosto tomando um ar de leve desconforto.— É mesmo? — Ele ficou girando a colher dentro da tigela, as sobrancelhas franzidas, com expressão de dúvida. — Tudo bem, diz para a Joyce vir aqui preparar o

Explore and read good novels for free
Free access to a vast number of good novels on GoodNovel app. Download the books you like and read anywhere & anytime.
Read books for free on the app
SCAN CODE TO READ ON APP
DMCA.com Protection Status