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Nas Trilhas do Destino, Encontrei Você
Nas Trilhas do Destino, Encontrei Você
Author: Feijões Barulhentos

Capítulo 1

Author: Feijões Barulhentos
— Senhora Rafaela, sobre a investigação que a senhora encomendou há cinco anos... houve um engano.

A voz masculina, clara e firme do outro lado da linha, chegou até ela como se fosse um trovão em plena noite silenciosa.

Por um instante, a mente de Rafaela Soares se apagou. Ela apertou o celular com força, tentando se firmar em algo, mas a voz que escapou de seus lábios tremeu sem que conseguisse controlar:

— Como assim, engano?

O investigador respirou fundo e respondeu sem titubear:

— O homem que a senhora procurou durante dez anos não era o senhor Henrique.

O coração de Rafaela despencou como se tivesse caído de um penhasco. A respiração lhe falhou, mas ainda assim encontrou forças para retrucar, a voz embargada pela incredulidade:

— Tem certeza?

Cinco anos atrás, ela foi sequestrada na fronteira de Andaluzia. Foi naquele pesadelo, em meio ao barulho de tiros e à fumaça sufocante, que um soldado da tropa de paz surgiu diante dela como a única salvação possível. Ele a tirou do cativeiro, arrastando-a para fora do inferno.

Desde então, Rafaela jamais deixou de procurá-lo. Movimentou contatos, gastou fortunas, implorou favores... até finalmente chegar à conclusão de que aquele homem era Henrique Amaral, o filho mais velho da poderosa família Amaral.

Como aquilo poderia estar errado?

Do outro lado da linha, o homem não demonstrou qualquer compaixão. As palavras saíam secas, afiadas como facas, arrancando em golpes sucessivos a fé que Rafaela havia sustentado durante cinco anos.

— De acordo com os registros de imigração, na época do ocorrido o senhor Henrique estava na Europa em uma viagem de negócios que durou um mês. Não há registro de entrada ou saída em Andaluzia em nome dele. Entretanto, nos arquivos da tropa de paz consta o nome de um oficial que participou da operação de resgate. Ele ficou gravemente ferido e se aposentou em seguida. O sobrenome dele é Campos. Atualmente mora nesta cidade.

— Campos... — Rafaela repetiu, como se o nome tivesse o peso de uma sentença. — Pessoa errada.

Aquelas duas palavras atingiram-na como tiros à queima-roupa, estilhaçando de uma só vez as convicções que ela havia sustentado ao longo de cinco anos.

Um zumbido invadiu seus ouvidos e, quando menos percebeu, o mundo girava. Em um segundo, ela estava de volta àquele depósito imundo tomado por fumaça e cheiro de sangue, sentindo novamente o medo e o desespero que pensava ter enterrado.

A tigela que segurava escorregou de suas mãos trêmulas e caiu no chão. O caldo fervente respingou em sua pele clara, deixando marcas vermelhas, mas ela sequer percebeu a dor.

O celular também deslizou dos dedos sem força, caindo no tapete macio. A ligação então passou automaticamente para o viva-voz:

— O relatório detalhado e a carta de desculpas já foram enviados ao seu e-mail.

Naquele tempo, Rafaela acreditava cegamente que Henrique era o herói que a havia salvado. Por aquela crença se aproximou dele, aceitou o casamento. Durante cinco anos, suportou uma vida de silêncio e submissão, convencida de que aquele seria o preço justo por uma dívida que nunca havia existido.

Ela sabia que não era amada. Ainda assim, insistiu, se enganou, forçou-se a acreditar... até que a verdade chegou como o golpe mais cruel. Descobriu que, todo esse tempo, havia amado o homem errado.

Cinco anos presa a um casamento vazio. Cinco anos calando desejos e sonhos. Cinco anos vivendo de ilusões... e agora tudo não passava de uma farsa ridícula.

Exausta, com a mente vazia e o corpo sem energia, Rafaela mal reagiu quando a tela do celular voltou a se acender. Uma videochamada do WhatsApp pulsava diante de seus olhos. No visor, aparecia o nome de Clara Alencar, a jovem assistente de confiança de Henrique.

Atordoada, Rafaela atendeu sem pensar.

Na tela, surgiu o rosto delicado de Clara, emoldurado pelo escritório luxuoso que Rafaela conhecia melhor do que ninguém. A mulher sorria, mas o olhar carregava a malícia de quem já se sentia vencedora.

— Senhora, o senhor Henrique bebeu demais e não para de chamar o seu nome. A senhora poderia vir buscá-lo? Ah, e aproveite para trazer a proposta do projeto Estrela. Ele disse que só confia no que passa pelas suas mãos.

O sorriso doce daquela mulher foi como um estilhaço cravado no coração ressecado de Rafaela. Por um instante, uma fenda se abriu naquele deserto de sentimentos. Ela não respondeu, apenas desligou a chamada.

Com movimentos lentos e quase automáticos, Rafaela trocou de roupa, escolheu um conjunto discreto e deixou a água fria escorrer sobre a pele avermelhada da queimadura, tentando apagar a dor que insistia em latejar. Pegou as chaves do carro e a pasta do projeto, sem pensar muito no que fazia, como se apenas obedecesse a uma rotina vazia.

Ela desceu até a garagem e ligou o carro, partindo em direção ao Grupo Amaral. Na estrada, a cidade desfilava seus néons vibrantes e luzes coloridas, mas nada daquilo a tocava. Toda aquela beleza noturna escorria diante de seus olhos sem deixar marca alguma, incapaz de atravessar o vazio silencioso que tomava conta de seu coração.

Quando empurrou a pesada porta de madeira do escritório presidencial, a cena diante de si a esmagou.

Henrique estava sentado no sofá, colocando com ternura uma gargantilha de diamantes no pescoço de Clara. O gesto era suave, delicado, cheio de um cuidado que Rafaela nunca havia conhecido.

Ao notar sua presença, Clara sorriu vitoriosa. Inclinou a cabeça para exibir a joia e murmurou com falsa modéstia:

— Henrique, essa joia não era para a sua esposa? É tão valiosa, como eu poderia aceitar?

Henrique a interrompeu, erguendo os olhos para Rafaela. Ainda assim, sua voz permaneceu doce:

— O que importa é que você gostou.

Clara fingiu só então notar a presença de Rafaela. Levantou-se depressa do sofá e, com um gesto calculado, levou a mão até a gargantilha recém-colocada, como se quisesse escondê-la e ao mesmo tempo exibi-la. No rosto, montou um sorriso polido, cheio de falsa inocência, e falou em tom doce, cuidadosamente ensaiado:

— Senhora, por favor, não me entenda mal. O senhor Henrique disse que era uma recompensa pelo meu esforço no projeto Estrela. Um presente para comemorar a vitória.

Rafaela não se deu ao trabalho de responder nem ofereceu a Clara o consolo de um olhar. Seguiu firme até a mesa, depositou a pasta do projeto. Por um instante, deixou que o olhar deslizasse pela gargantilha brilhando de forma quase ofensiva. Só então baixou os olhos para o documento diante de si.

— Nesta proposta final, há um zero a mais depois da vírgula. O valor total foi inflado em dez vezes. — Rafaela folheou o anexo e falou com frieza. — Além disso, os parâmetros técnicos utilizam dados de patente da Blue Ocean, nossa concorrente. Se essa proposta for enviada, não só será invalidada, como ainda gerará um processo imediato de violação.

O rosto de Clara perdeu toda a cor no mesmo instante. O risco jurídico que Rafaela havia acabado de expor a atingiu como um golpe inesperado, algo que ela nunca sequer havia cogitado.

Henrique arregalou os olhos. Pela primeira vez em cinco anos, seu olhar sobre Rafaela não foi de indiferença, mas de surpresa genuína. Ele sempre soube que a esposa era inteligente, mas jamais imaginou que fosse tão precisa.

Os olhos dele denunciaram o choque, mas logo respirou fundo e recompôs a frieza habitual. Sem dirigir uma única palavra à esposa, virou-se para Clara, que continuava pálida, e pousou a mão sobre a dela em um gesto de falso amparo.

Depois ergueu os olhos gelados para Rafaela e disse:

— Qualquer um pode se equivocar. Clara ainda é nova, mas já se esforçou ao máximo. E você, como responsável, também falhou na supervisão.

Aquela foi a sentença que a reduziu, de uma vez por todas, a nada mais do que uma ferramenta útil.

— Se é assim que você pensa, não tenho mais nada a dizer. — Rafaela se virou e caminhou até a porta.

A serenidade com que Rafaela se afastava só aumentava o desconforto que queimava dentro de Henrique. Era uma calma que o irritava, que o fazia se sentir fora de controle.

Incapaz de suportar aquela sensação, ele se levantou bruscamente e, em um impulso desesperado de retomar o domínio, lhe atirou palavras como lâminas:

— Pare aí! Que atitude é essa? Como ousa me virar as costas, Rafaela? Não se esqueça de que foi você quem implorou para se casar comigo!

Implorar para casar?

As palavras caíram sobre ela como um estalo brutal que despertasse um coração adormecido. Rafaela se virou de repente.

Por instinto, Henrique estendeu a mão para segurá-la, exatamente como havia feito tantas vezes ao longo daqueles anos, acreditando que ainda poderia controlá-la.

Mas, dessa vez, antes mesmo de alcançá-la, o gesto foi repelido com uma força inesperada e decidida, que o fez recuar no ar.

No instante breve em que quase se tocaram, um arrepio atravessou o corpo de Rafaela. Era a mesma sensação de sempre, que nascia no fundo dos ossos... mas agora não vinha do medo. Era um estremecer carregado de repulsa, de um nojo profundo misturado a uma fúria que ela nunca se permitira sentir.

Seu corpo tremia, mas não de fraqueza, era a tensão de quem, pela primeira vez, se libertava das correntes. Com toda a força que reuniu, as palavras escaparam por entre os dentes, duras, geladas e irrevogáveis:

— Me solte.

Seus olhos não eram mais os mesmos. Não havia neles doçura nem submissão, apenas um frio distante.

Foi naquele olhar que Henrique, finalmente, percebeu que a Rafaela diante dele não era mais a mesma mulher de antes.
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