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Capítulo 6

Author: Feijões Barulhentos
Já havia se passado três dias desde a partida de Rafaela, três dias inteiros sem uma ligação, sem sequer uma mensagem breve.

A rotina de Henrique mergulhara em um caos silencioso, um tipo de desordem emocional que ele jamais tinha enfrentado.

De pé, sozinho, na cozinha ampla e fria da mansão, encarava a imponente máquina de café importada, adquirida a preço alto como símbolo de perfeição. Tentou repetir o ritual que, antes, fazia com tranquilidade, mas o resultado nunca saía como deveria. Ora o sabor se tornava amargo demais, ora ácido demais, sem atingir aquele equilíbrio que ele tanto buscava.

Num gesto brusco, ele atirou a xícara na pia, observando o líquido escuro respingar e escorrer pelo ralo. Foi só naquele instante que percebeu, com uma clareza incômoda, o quanto Rafaela havia se infiltrado discretamente em sua vida, como um sopro invisível presente em cada canto da casa.

Ela agia com uma presença silenciosa, tão constante que ele só se deu conta dela agora, na ausência. E, sem aquele "ar" sutil que preenchia o cotidiano, o que restava era um vazio sufocante, uma pressão no peito que o fazia se sentir como se estivesse perdendo o ar.

O toque do telefone quebrou o silêncio de repente. Era Clara.

— Henrique, você já tomou café da manhã? Preparei aquele prato que você tanto gosta...

— Para de me encher! — Ele cortou, seco, sem permitir que ela concluísse, e desligou imediatamente.

A mente dele fervia. A voz de Clara, sempre doce em aparência e medida para soar delicada, que antes lhe trazia certo conforto, agora parecia irritá-lo ainda mais.

Para ele, era inconcebível que Rafaela, a mulher que durante cinco anos havia se mantido na sua órbita, dedicando cada gesto para permanecer próxima, partisse sem explicação. Convencia-se de que só poderia ser um jogo planejado, um truque barato para chamar atenção, a velha estratégia de desaparecer para provocar reação.

Sorriu sozinho, um sorriso frio e descrente, como se quisesse se convencer daquela narrativa. Contudo, a cada hora que passava, uma inquietação crescente corroía essa falsa segurança. Pela primeira vez, surgia um pensamento incômodo. E se Rafaela não voltasse?

Enquanto isso, em outro lugar, Clara encarava a tela do celular onde havia apenas a mensagem seca da ligação encerrada. Os dedos apertavam o aparelho com tanta força que ficavam pálidos, marcados pela pressão.

Com um movimento carregado de raiva, virou o celular sobre a mesa, o som duro ecoando pelo quarto silencioso.

O reflexo no espelho revelava um rosto contraído, distorcido por ódio e frustração. Mordeu o lábio inferior com força até o gosto metálico do sangue invadir sua boca. Só então soltou o maxilar, respirando pela narina estreitada pela tensão.

Na mente dela não havia dúvida de que toda aquela situação era culpa de Rafaela. Na sua visão, aquela mulher insignificante e oportunista só queria atrair atenção, vestir-se de vítima para reconquistar o que já estava perdendo.

Questionava-se com desprezo quem ela pensava que era.

Num ímpeto, Clara se levantou, o som seco do salto fino reverberando no piso de madeira, acompanhando o ritmo acelerado do próprio coração. Não suportava a ideia de permanecer imóvel, tampouco permitir que Rafaela ganhasse vantagem.

De repente, parou diante da mesa. Os olhos faiscavam com determinação sombria enquanto agarrava o celular novamente. Sem qualquer hesitação, abriu a conversa com um detetive particular e digitou com rapidez: [Descubra onde Rafaela está agora. Imediatamente.]

A resposta surgiu poucos segundos depois: [Na zona oeste da cidade, rua dos antiquários. Está visitando lojas para alugar.]

Um sorriso frio se formou nos lábios de Clara. Pegou as chaves do carro e saiu decidida.

Seguiu Rafaela à distância por várias ruas, observando cada movimento. Ao alcançar um cruzamento, identificou o momento exato para executar o que tinha em mente. Virou o volante de propósito e colidiu contra um caminhão parado no sinal vermelho.

O estrondo foi alto e seco. O airbag inflou com violência contra o peito dela, e o impacto a projetou de encontro ao volante, abrindo um corte na testa. Fragmentos de vidro arranharam e marcaram sua pele ao longo do braço.

Com o coração ainda mais acelerado, ignorou a dor latejante. Pegou o celular com mãos trêmulas, discou para Henrique. Assim que ele atendeu, deixou escapar um choro áspero e carregado de pânico.

— Henrique, me ajuda! Sofri um acidente... Foi... foi a Rafaela! Ela mandou alguém me atingir... Disse que, se eu não me afastasse de você, iria me eliminar!

Aquela última palavra "eliminar" agiu como combustível despejado sobre o fogo que já ardia dentro dele.

Henrique acreditou sem questionar. O ódio sufocou qualquer resquício de razão. De imediato, ordenou ao assistente que entrasse em contato com Rafaela e a levasse ao hospital onde Clara estava internada.

Quando Rafaela empurrou a porta do quarto VIP, o cheiro forte de desinfetante a envolveu de maneira incômoda.

O que viu fez seu coração afundar. Henrique estava sentado ao lado da cama, segurava delicadamente o rosto de Clara enquanto limpava com cuidado o ferimento em sua testa, como se cuidasse de algo frágil e precioso.

Assim que seus olhos encontraram a figura de Rafaela, Clara sentiu o corpo se encolher quase sem pensar, como se instinto e medo se misturassem num único impulso. Procurou abrigo no peito de Henrique, apertando-se contra ele como quem temia que o chão desaparecesse debaixo dos pés.

Henrique levantou levemente o queixo, e o olhar que lançou carregava uma frieza cortante, capaz de atravessar a pele e chegar até a alma. Era um olhar que não apenas observava, mas acusava e julgava, pesado como chumbo.

Henrique apontou para Clara, encolhida e trêmula na cama, e a voz dele cortou o silêncio, carregada de desprezo e repulsa:

— Rafaela, você conseguiu me surpreender de um jeito que nunca esperei. Para sustentar essa farsa miserável de "senhora Amaral", teve coragem de virar as costas para algo tão sério quanto uma vida em perigo. Uma mulher mesquinha e venenosa como você jamais deveria ter cruzado a porta da minha família.

Cada palavra carregava uma distorção tão absurda que, por alguns segundos, Rafaela sentiu um vazio estranho no peito, como se o chão interno tivesse cedido.

Não havia lógica que valesse a pena discutir ali. E, naquele silêncio que se instalou, ela viu com clareza dolorosa que Henrique não estava interessado na verdade. Ele já havia decidido quem ela era, e sua imagem estava gravada nele como marca de fogo, nada iria apagar.

Seu olhar se fixou nele, sem tremor, sem tentativa de responder. Os olhos, vazios, lembravam alguém que assistia a um espetáculo grotesco, distante o bastante para não se reconhecer em nenhuma cena.

Aquela calma distante irritou Henrique muito mais do que qualquer grito ou ataque. Ele esperava vê-la se desfazer, lágrimas, súplicas, justificativas desesperadas. Precisava reafirmar que ela continuava sob seu controle. Mas o silêncio dela era como um soco invisível, negando-lhe exatamente isso.

Sua voz, quando voltou a falar, parecia ainda mais gelada, cada sílaba lenta e cortante.

— Não te chamei aqui para ouvir desculpas esfarrapadas. Quero que peça perdão para a Clara. Talvez eu finja que nada aconteceu.

Foi então que Rafaela quebrou o silêncio.

— Henrique... — Ela pronunciou seu nome com calma estranha, pesando cada sílaba. — Você sempre acreditou que eu te amava tanto que não conseguiria viver sem você, não é?

O rosto dele endureceu, como se não soubesse se aquilo era provocação ou confissão. Antes que pudesse reagir, ela deixou escapar um sorriso. Não era de ironia, mas um sorriso melancólico, carregado de um alívio silencioso.

— Você se enganou. — O breve espaço entre aquela frase e a próxima pareceu suspender o ar dentro do quarto, e então veio o golpe, seco e definitivo. — Eu nunca amei você.

Henrique sentiu cada palavra atravessar seu ego como lâminas finas, impossíveis de bloquear. Durante toda a vida, seu orgulho se apoiara na certeza de ser amado, admirado, desejado. Ver esse pilar ruir em tão poucas palavras foi como levar uma facada profunda, não no corpo, mas naquilo que sustentava sua identidade.

O rosto dele mudou, não apenas a expressão, mas a energia. A fúria parecia extravasar dos músculos, lhe endurecer os ombros.

— Repete, Rafaela. — Henrique disse num tom grave, carregado de tensão. — Quero ouvir você dizer de novo.

Num movimento rápido e brutal, ele se levantou e agarrou o pulso dela com força suficiente para deixar a pele marcada.

— Você acha que dizer isso vai me fazer aceitar um divórcio? Vou cortar sua esperança agora. Isso nunca vai acontecer.

Arrastou-a até a janela. Lá fora, a cidade se espalhava em luzes vivas, como se estivesse indiferente ao caos que crescia ali dentro. Henrique apontou para aquela vista como quem exibia um troféu, um território conquistado.

— Não foi por tudo isso que você se casou comigo? Pois agora é tarde demais para imaginar que pode ir embora. — Aproximou o rosto do dela, tão perto que o calor de sua respiração lhe tocou o ouvido, e sussurrou com frieza cruel. — Não haverá divórcio. Você vai continuar sendo senhora Amaral, presa nesta gaiola dourada, assistindo enquanto dou atenção e carinho a outras mulheres. E cada vez que pensar em me enfrentar, vai lembrar que vou fazer você se arrepender até o último dia da sua vida.

O que ele não esperava era que Rafaela, ao invés de se dobrar diante daquela ameaça, encontraria uma calma cortante, quase insolente. Sem pressa, ela soltou o braço, abriu a bolsa e pegou o celular. O gesto foi tão seguro que parecia ensaiado. Sob o olhar atônito de Henrique, discou um número e colocou no viva-voz.

— Doutor Caio, inicie o processo de divórcio.

A voz grave do advogado preencheu o espaço com uma autoridade discreta, mas firme.

— Perfeito, senhora Rafaela. Com base nas informações que a senhora me passou, vamos fundamentar o processo no relacionamento extraconjugal mantido pelo senhor Henrique e no consequente rompimento da vida em comum. Além disso, sua contribuição para o setor de patrimônio histórico do Grupo Amaral nos permite pleitear uma divisão mais favorável dos bens.

As palavras técnicas, geladas e seguras, atingiram Henrique como água gelada derramada de súbito, levando embora, por um momento, a chama de sua raiva.

Ele permaneceu parado, tentando assimilar o que havia acabado de ouvir. Nunca acreditava que Rafaela teria coragem de chegar a esse ponto.

Ela encerrou a ligação, sem lhe dedicar um único olhar. Virou-se e seguiu em direção à porta.

Quando ouviu o som da maçaneta girando, Henrique despertou da paralisia e explodiu:

— Rafaela! Você acha que isso vai me intimidar? Espere receber a intimação. Vou destruir você no tribunal!

A porta se fechou com violência, ecoando pelo quarto como uma sentença.

Sozinho, Henrique sentia o corpo pulsar de raiva. Seu peito subia e descia num ritmo acelerado, cada respiração mais pesada que a anterior. Com gesto abrupto, tirou o celular do bolso e ligou para o assistente.

— Encontre provas de que Rafaela contratou alguém para provocar o acidente de Clara. Quero acabar com ela em juízo. Vou fazer essa mulher se arrastar na lama até o último dia.
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