Capítulo 0003

Antes de entrar na sala de Rogério, parei por um instante, como se algo em mim vacilasse brevemente, mas não era falta de decisão.

Na verdade, eu ainda não tinha pensado em como fazê-lo assinar os papéis de uma vez por todas. Depois que a empresa passou por uma reestruturação no setor de Recursos Humanos, até eu precisei regularizar meu contrato de trabalho.

Sendo diretora de design, um cargo sensível, além de minha família ter negócios relacionados à área, deixar os documentos de demissão mal encaminhados, quando eu voltasse para a capital, certamente me traria problemas.

Abri a porta e, antes mesmo de conseguir falar o que havia ensaiado, notei que Renata estava sentada em frente à mesa de Rogério. Na hora entendi por que o posto de trabalho no corredor estava vazio. Ela havia se instalado ali com ele.

Renata me viu primeiro e, dando um tapinha na cabeça de Rogério, disse em tom afetado:

— Rogério!

Ele respondeu com a voz cheia de ternura:

— Pronto, chega de brincadeira. Eu só preciso terminar de revisar este acordo.

— Não estou brincando. — Disse ela, me encarando de soslaio com um ar de provocação e logo voltando a falar num tom manhoso. — É que a Aurora chegou.

Nesse instante, Rogério se recostou abruptamente na cadeira, como se quisesse se afastar de Renata, olhou para cima assustado e, ao encontrar meu olhar, pareceu ficar constrangido.

Reprimi qualquer reação, ignorei a fisgada incômoda no peito e falei de modo neutro:

— Rogério, tem uns documentos que preciso que você assine.

Estendi o fichário na direção dele. Rogério, percebendo que eu não fazia menção de questionar a intimidade entre ele e Renata, relaxou um pouco e concordou com a cabeça:

— Certo.

— Então tá, Rogério, vou deixar vocês trabalharem. Eu saio agora. — Renata se levantou, dando um sorriso antes de sair.

Enquanto Rogério abria o fichário, eu estava pronta para explicar os motivos da urgência daqueles papéis quando, de repente, Renata torceu o pé e soltou um grito de dor:

— Ai! Está doendo muito!

— Renata! — Exclamou Rogério, largando tudo o que estava fazendo para se levantar de um salto e correr até ela.

Interceptei-o antes que ele saísse de trás da mesa:

— Primeiro assine, não vai levar mais do que uns segundos.

Ele franziu a testa e me questionou irritado:

— Aurora, desde quando você ficou tão fria? Esses documentos são mesmo tão importantes assim?

Do outro lado da sala, Renata continuava acuada, agachada com a mão no tornozelo e choramingando:

— Rogério...

Vendo que toda a atenção dele estava voltada para ela e sem vontade de prosseguir a discussão, Rogério simplesmente folheou o material e assinou, de modo quase automático, nos locais que indiquei, mal reparando de que se tratava.

Aquilo me serviu perfeitamente, pois eu só queria encerrar logo a rescisão e ir embora daquela cidade, para retomar minha vida de antes.

Rogério foi até Renata, amparou-a e a acomodou no sofá, segurando o pé dela para verificar se não estava inchado.

— Ao menos não parece ter inchado. Mas, se doer muito, vou te levar para o hospital, tá?

— Não acho que seja tão grave assim. — Murmurou ela, corando e recolhendo o pé, me lançando um olhar incerto.

Sem dizer algo, saí da sala com o rosto inexpressivo. Contudo, ao chegar no carro, Rogério veio atrás de mim, bloqueando minha passagem.

— Aurora, não entenda mal. Entre mim e a Renata não tem nada demais, só estou cuidando dela porque crescemos juntos e tenho esse carinho de amigo.

— Certo. — Acenei com a cabeça e encarei a mão dele, que ainda segurava a maçaneta do meu carro, dando a entender que queria que ele soltasse. — Eu tenho outros compromissos agora.

Ele ficou alguns segundos sem reação, talvez surpreso com minha frieza.

— Você não está brava?

Sorri com leveza e respondi:

— Eu deveria ficar?

— Antigamente, se eu fizesse algo assim, você ficaria certamente zangada...

— Mas mesmo assim você fez, não é? — Retruquei, fitando o olhar ansioso dele. Depois me forcei a amenizar a tensão. — Estou só brincando. Que tal jantarmos juntos em casa hoje?

— Eu... — Ele engoliu a culpa e segurou minha mão. — Tenho um compromisso agora à noite, mas prometo que volto para casa depois.

Tentei sorrir, mas não consegui. Ficava óbvio que até mesmo o simples fato de ele voltar para casa havia se tornado uma espécie de concessão.

Acabei jantando sozinha fora e, quando cheguei, continuei a organizar minhas coisas. Só naquele momento me dei conta de que, quando a decepção atingia certo limite, a gente não queria deixar para trás nenhum vestígio ou lembrança.

Meticulosamente, fui apagando qualquer sinal de que um dia ocupei aquele espaço.

Mexi até no quarto de Rogério, embora só tenha jogado fora alguns itens de casal comprados por mim: escova de dente, copo, chinelos, pijamas...

No meio da arrumação, interrompi o processo ao receber mensagens de Renata no celular.

[Aurora, olha só, tantos anos se passaram e o Rogério ainda lembra que eu amo rosas cor-de-rosa. Está até mais atencioso do que antes.]

[Obrigada por ter lapidado um homem tão maravilhoso para mim.]

[É tão bom aproveitar a sombra da árvore que outro plantou, né?]

Ela ainda anexou uma foto, mostrando o porta-malas de um carro esportivo, o mesmo que eu havia escolhido, cheio de flores, iluminado por delicadas luzinhas decorativas.

Num lampejo de lucidez, compreendi perfeitamente que todo o amor que eu tinha conquistado e nutrido por anos nunca foi realmente meu. Ele sempre esteve destinado a outra pessoa.