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Capítulo 6

Author: Helena Amorim
Ao levantar o pé, pisou em um coelho cor-de-rosa, gordinho, de tom suave, com duas orelhas compridas. Nas costas do coelho, havia um par de asas de abelha.

Aureliano se lembrava bem daquele brinquedo. Silvana gostava especialmente dele. Ele dizia que era um coelho mutante, uma coisa esquisita, sem pé nem cabeça. Era feio, ainda por cima com asas nas costas.

Silvana então ficava em silêncio, o encarando com os olhos arregalados. Ela adorava aquele coelhinho, e ele falava mal de propósito, só para provocar.

Eles foram a um cinema, e tinham aquelas máquinas de pegar bichinhos de pelúcia. Ele conseguiu pegar esse para ela.

Silvana queria muito o brinquedo, ficava puxando o braço dele, toda manhosa. Ela foi tão exigente que até aquele treco feioso ela acabou por devolver.

Naquela noite, Aureliano ficou tão irritado que ligou para ela. Descobriu que o número tinha se tornado inexistente. Ela terminou tudo de forma limpa, sem levar nada, e desapareceu como se nunca tivesse existido.

Durante esses sete anos, Aureliano nunca mais ouviu falar dela. Ele só soube que ela havia trancado a matrícula de repente e sumido.

Ele estava atolado nos estudos. Medicina não era brincadeira. E, na mesma época, seu irmão mais velho assumiu o Grupo Martins.

Aureliano abriu mão da disputa pela sucessão, não queria brigar com o irmão. Também não queria voltar ao país tão cedo.

Silvana virou um espinho encravado no peito. Aureliano nem sabia explicar direito quando aquele espinho entrou.

Ele odiava, mas aceitava a presença dele ali. No dia a dia, não doía. Mas quando atacava, vinha sem aviso, como a chegada repentina da estação das chuvas. E então faltava ar no peito.

...

No início da tarde, indo para o trabalho, Aureliano estava dirigindo. De repente, uma sombra passou correndo na frente do carro. Ele freou bruscamente. Assim que o carro parou, ele desceu imediatamente para verificar.

Uma menina estava sentada no chão, os olhos grandes como uvas negras, ainda com vestígios de susto. No colo, ela abraçava com força um filhote de cachorro vira-lata.

— Você está bem? Está sentindo alguma dor? — Ele se abaixou, pegou a menina no colo e começou a examiná-la. Nenhum ferimento aparente, só uma das mãos arranhada por ter se apoiado no chão.

A menina parecia assustada. Os olhos estavam vermelhos, e ela respondeu timidamente:

— Doutor, eu estou bem. Mas dá uma olhada no cachorrinho. Ele quase foi atropelado pelo seu carro.

O filhote era pequeno e redondinho, devia ter uns dois ou três meses, e estava deitado no colo dela.

Aureliano franziu a testa. A menina lhe parecia familiar. Pele clara, olhos negros e brilhantes.

Ele se surpreendeu com a própria memória. Lembrava de uma paciente que só havia visto uma vez.

Todos os dias passavam inúmeros pacientes por ele, mas agora, diante dessa menina, ele se lembrava com certeza. Ela já tinha sido atendida por ele. O nome era... Eulália.

— Você tem ideia do quão perigoso foi o que acabou de fazer? Se eu não tivesse freado a tempo, poderia ter sido muito grave. — Ele olhou em volta, não havia mais ninguém além da menina. — Onde estão seus pais?

Para salvar um filhote de cachorro, ela se lançou no meio da rua.

Eulália mordeu os lábios.

— Eu...

— Eulália. — Uma voz feminina soou.

Passos apressados se aproximaram. Na tarde abafada, o ar carregado trazia um perfume suave. Maristela apareceu correndo, abraçando os ombros da filha.

— Eulália, você está bem?

— Mamãe, estou bem. O cachorrinho também. — A palma da mão ardia com o arranhão, mas nada grave.

Eulália esticou os braços, abraçando o pescoço de Maristela.

— Mamãe, eu estou bem.

Maristela estava em pânico. Era sábado, e ela havia levado a filha ao KFC. Foi buscar os pedidos e, quando se virou, a menina tinha desaparecido.

Ao ouvir o som do freio brusco, o coração dela quase parou. Ainda bem que a filha não tinha se machucado.

Levantando os olhos, ela viu Aureliano. Mordeu o canto dos lábios, as pupilas tremeram levemente.

Aureliano vestia um conjunto esportivo cinza-claro. Alto, com pernas longas, uma das mãos no bolso. O olhar era frio, um pouco distante, a poucos metros dela.

Os olhos dos dois se encontraram.

Maristela se levantou, se posicionando ligeiramente à frente de Eulália. O coração dela batia forte.

Ela abriu os lábios, a voz um pouco rouca:

— Hum... Você...

Maristela não estava usando máscara naquele dia. O rosto, sem qualquer cobertura, era límpido, com uma suavidade intelectual. A saia azul-claro balançava ao vento abafado do verão, enquanto o sol escaldante caía sobre sua cabeça.

Embora aquele homem estivesse a apenas dois metros, Maristela sentiu a vista embaçar. Uma vertigem a tomou, como se o tempo tivesse parado. Dentro dos ouvidos dela, um zumbido leve começou a ecoar.

— Entre no carro. Vou levar sua filha para fazer alguns exames no hospital. — Ele olhava fixamente para a mulher à sua frente, que se posicionava diante da menina como uma galinha protegendo seu pintinho.

Maristela respondeu:

— Não... Não precisa... Não quero te incomodar. Eu mesma vou levá-la.

Ao mesmo tempo, um alívio sutil percorreu seu peito. Se ele falava assim, então não a havia reconhecido.

Aureliano entrou no carro, apertou a buzina e, do banco do motorista, lançou um olhar para ela pela janela.

— Sou cirurgião. Muitos acidentes de trânsito não deixam marcas visíveis, mas os danos internos podem ser sérios. Se algo acontecer, eu me responsabilizo.

Aureliano quase completou a frase dizendo: "Você já foi minha paciente."

Sem saber por quê, ele olhou mais uma vez para a mulher do lado de fora. A pele clara, sob o sol, ganhava um tom avermelhado que parecia brilhar.

Com as pernas à mostra pela saia azul-claro, ela tinha o corpo delicado e gracioso, como um lírio azul silencioso.

Ele não sabia se era a cor que realçava ainda mais a brancura da pele ou outra coisa. Aureliano estreitou os olhos. Ela era branca a ponto de doer os olhos.

Muito jovem. De qualquer ângulo, não parecia ser mãe de uma criança de seis ou sete anos.

Aureliano achou o rosto dela familiar, mas não perguntou. Isso soaria como um flerte barato. Além disso, aquela mulher era diferente.

A filha quase foi atropelada. Ainda que estivesse aparentemente bem, e Aureliano também achasse que sim, pois havia conseguido frear a tempo, o comum seria que os pais levassem a criança para fazer exames e ainda pedissem algum tipo de compensação.

Mas ela, não. Ela era diferente. Maristela entrou com a filha no carro. Se sentaram no banco de trás.

No hospital, foram solicitados vários exames. Aureliano ficou o tempo todo ao lado delas.

Um dos exames era uma tomografia de tórax e abdômen. Como era uma criança, precisava de acompanhamento.

Ele entrou na sala com Eulália nos braços. Um dos médicos brincou:

— Dr. Aureliano, é sua filha? Ela parece muito com você.

Maristela apertou os lábios com força.

"Tão evidente assim?"

De repente, ela sentiu alguns olhares recaírem sobre si. Ela apertou a palma da mão com força.

Maristela manteve a cabeça baixa o tempo todo, sem olhar para a expressão de Aureliano.

Diante da provocação do colega, Aureliano apenas sorriu de leve e disse a Maristela:

— Espere lá fora. Aqui dentro tem radiação.

Não era à toa que Aureliano era o queridinho do hospital. Por onde passava, chamava atenção.

Maristela caminhava atrás dele, com os olhos voltados para o chão, mas ainda assim sentia os olhares a seguirem. Durante o trajeto, era possível ouvir comentários:

— Quem é aquela menininha que o Dr. Aureliano está carregando?

— A mulher do lado dele é a namorada dele?

— Ele gosta desse tipo, então?

— Não pode ser. Quando ele rejeitou a Maria, disse que gostava de mulheres com seios grandes, pele clara e pernas longas.

— Não acredito! O Dr. Aureliano parece tão tranquilo e refinado, e tem um gosto tão vulgar?

— Homem é tudo igual. E olha que a Maria é filha do diretor Leonardo. Usou a influência do pai para ser transferida diretamente para a ala de cirurgias, só para ficar perto do Dr. Aureliano. Depois que foi rejeitada, fez o maior escândalo.

— Chega de especulação. Aquela menininha deve ser parente do Dr. Aureliano. Ela tem uns cinco ou seis anos, é impossível ser filha dele. Ele nem tem trinta ainda.

— Mas aquela mulher que estava com ele é muito bonita. Era elegante, delicada, tinha uma presença marcante.

Naquela tarde inteira, Eulália passou por diversos exames. O diagnóstico final foi: apenas pequenas contusões nos tecidos moles do joelho e do punho.

Maristela finalmente respirou aliviada. Olhou para Aureliano e disse:

— Obrigada por tudo.

— Meu contato está anotado nos documentos. Se acontecer qualquer coisa com sua filha, pode me ligar.

Maristela baixou os olhos, observando o cartão de visitas, e reparou nas mãos dele, longas, limpas e firmes. Pegou o cartão, agradeceu e puxou Eulália pela mão para ir embora.

Tinham dado apenas alguns passos quando a voz grave e rouca do homem soou atrás delas.

— Já nos vimos antes, não é?

Maristela parou por um instante.

— Sim. O senhor atende muitos pacientes, é natural não se lembrar. Minha filha tem um problema no coração. Há um tempo, marquei uma consulta com o senhor.

O homem sorriu de leve. Seus olhos se estreitaram. Mas não era sobre aquela vez que ele estava perguntando.

— Não sou tão esquecido assim. Você é a mãe da Eulália.

Ao ouvir esse título, Maristela levantou os olhos e o encarou. No rosto sério do homem, seus olhos escuros tinham uma profundidade que fez o coração dela disparar.
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