capítulo 3

Acordei com o rosto aflito da minha mãe bem diante do meu.

Levei a mão ao ventre. Estava liso, como se aquela vida que eu tanto prezava nunca tivesse existido.

Na vida passada, minha filha nasceu frágil, precisou de meses na incubadora. Houve até um momento em que os médicos me entregaram um boletim desesperador, quase uma sentença.

Eu gastei tudo o que tinha para trazer especialistas de fora do país, e fiquei noites inteiras sem dormir diante da porta do quarto dela.

Lorenzo apareceu no hospital uma única vez. Franziu a testa e disse, sem piscar:

— Melhor desistir. Desse jeito todo mundo só vai sofrer.

E eu, tola, cheguei a acreditar que se importava comigo.

Mas tudo bem. Já que não havia amor, então que não houvesse sofrimento.

— Querida, o médico me contou que... — Minha mãe hesitou, com medo de me fragilizar ainda mais.

— Mamãe, já estou bem. — Apertei a mão dela. — Quanto ao noivado com os Alencar... vamos esquecer.

Fiquei internada alguns dias. Lorenzo não deu as caras nenhuma vez. Minha mãe entendeu tudo.

— Tratar você desse jeito? Pois agora os Alencar que aguentem. — Resmungou, já sacando o celular. — Todos os projetos que demos para eles, vamos abrir nova licitação!

No dia da alta, Lorenzo estava parado à porta do hospital, apoiado no carro. O rosto bonito estava carregado como uma noite sem lua.

— Isadora, você tem talento mesmo. Faz besteira e ainda tem a cara de pau de colocar a família Albuquerque para cancelar nossos projetos.

— Acha que, sem o apoio de vocês, sem você, eu não consigo sobreviver?

Do carro desceu uma mulher de meia-idade, muito bem arrumada. Assim que me viu, deu um tapinha repreensivo no ombro de Lorenzo:

— Isa, não dê ouvidos a esse garoto. Ele só está de mau humor. Eu peço desculpas por ele.

Em seguida, ela veio até mim com um sorriso caloroso, segurou minha mão com firmeza e disse:

— Logo seremos uma só família, não é? Não precisa ficar com essa distância. No fim das contas, tanto a família Albuquerque quanto a família Alencar vão ser suas e do Lorenzo.

Minha mãe se colocou na minha frente como uma muralha:

— Acho que não há mais necessidade de insistir. Minha Isa não tem como se “dar ao luxo” de subir até o nível desse seu grande filho! Coitada da minha filha, ainda...

— Mamãe, não precisa perder tempo com eles. — Interrompi antes que ela revelasse sobre o aborto.

O rosto de Lorenzo ficou ainda mais sombrio. Sem se importar com a presença dela, cuspiu veneno:

— Muito bem, Isadora. Já que não sabe valorizar a chance que tem, depois não venha rastejar para me implorar!

A mãe dele, aflita, tentou intervir, mas Lorenzo a puxou à força para dentro do carro.

Minha mãe tremia de raiva, o peito subindo e descendo descompassado. Acalmei-a como pude.

Lorenzo sempre se achou superior, convencido de que nossa família só queria investir nele por causa do talento que tanto vangloriava.

Quando chegamos em casa, liguei a TV. Na tela, o rosto dele iluminado por flashes incessantes.

— Sr. Lorenzo, a Srta. Patrícia é mesmo a nova embaixadora da sua marca? — Gritou um repórter.

Desde que saiu furioso do hospital, ele não largava Patrícia, aparecendo com ela em todo tipo de evento.

Ele sorriu para as câmeras, seguro de si:

— Patrícia ainda tem pouca experiência, mas espero que todos prestem atenção ao esforço e ao potencial dela. Foi passo a passo que ela conquistou seu espaço. Não é como certas pessoas, que já nascer em berço de ouro.

Ao terminar, seus olhos brilharam com um sarcasmo cortante.