Margarida nunca teve intimidade com a água. Quando Augusto a arrastava à força mar adentro, só conseguia secmanter de pé porque cravava os pés no fundo arenoso, tentando desesperadamente não tombar sob o impacto das ondas.Mas agora, frente à brutalidade de Augusto e à fúria selvagem do mar, a sensação era de ter sido envolvida por uma rede gigantesca, irresistível, que a puxava para o abismo sem qualquer intenção de soltá-la. Em questão de segundos, a água gelada, salgada e cortante a engoliu inteira, queimando seus olhos, roubando-lhe o fôlego e silenciando a voz que queria clamar por socorro.— Margarida!— Marga!Os gritos cortaram o rugido das ondas. Um deles, imediatamente reconhecível, carregava desespero cru, quase trêmulo, como se a garganta estivesse prestes a se romper em prantos.O instinto de sobrevivência fez Margarida levar a mão à barriga. Os movimentos se tornaram frenéticos, lutando para romper a corrente que a puxava para baixo. Ela sabia que vencer o mar era quase
— Marga! — A voz de Vicente cortou o ar, carregada de urgência e desespero. Ele não pensou em mais nada naquele instante. Não importava se enfrentaria ou não Augusto, apenas avançou, decidido a se lançar no mar e arrancá-la dos braços dele.Margarida, no entanto, ergueu a mão com esforço, mesmo sentindo o corpo enfraquecido, e, num tom firme apesar da voz trêmula, falou diretamente com Augusto:— Augusto, você sempre disse que não queria se tornar como o Carlos. Então observe quem você é agora. Consegue perceber a diferença? Está me machucando, exatamente como ele fez com a Sofia.As palavras atingiram Augusto como um golpe. Ele parou, e a pressão com que a mantinha presa diminuiu, embora seus olhos continuassem pesados e sombrios, tão escuros quanto um céu sem estrelas.— Eu sei, estou machucando você. — Augusto murmurou, com a voz embargada. — Mas não sou como o Carlos. Eu só quero terminar tudo ao seu lado.— Quem disse que eu quero morrer com você? — Gritou Margarida, a voz cortand
Carlos, Marina, Leonor... até mesmo Luciano. Todos eles passaram anos tramando, conspirando, sacrificando tudo em busca do controle do Grupo Almeida, alguns colocaram a própria vida em risco e, mesmo assim, nenhum conseguiu tocar nesse império.Agora, diante de Augusto mantendo Margarida sob sua mira, Vicente não hesitou. Em um único gesto, entregou tudo que havia protegido por tanto tempo.As palavras dele fizeram Margarida estremecer. Mesmo com o corpo dolorido pela luta e pelo cansaço, seus olhos se encheram de lágrimas ao fitar aquele homem diante dela, que estava abatido, ferido, com a roupa em frangalhos, e, ainda assim, com um olhar que só conseguia se prender nela. Para Carlos, Marina e Leonor, o Grupo Almeida representava um tesouro inestimável. Para Augusto, não passava de algo sem importância.— Vicente, se eu ligasse para essas coisas, teria destruído o Grupo Carvalho inteiro? — A voz de Augusto veio carregada de rancor. Arrancou os óculos de armação dourada do rosto e os
No instante em que o olhar de Vicente encontrou o de Margarida pela janela, algo invisível e potente pareceu atravessar o ar, unindo-os com uma força avassaladora que nenhuma distância conseguira enfraquecer.Os olhos dele, profundos e fixos, percorriam cada traço do rosto dela com ansiedade crescente, como se precisasse confirmar pessoalmente que estava viva e intacta. Observou a pele sem cor, a expressão fatigada e até o leve tremor nos lábios, buscando qualquer sinal de ferimento ou dor.Sentindo o calor subir dos olhos até a garganta, Margarida conteve a respiração. Dois meses de ausência se condensaram naquele instante, e a simples visão dele, desalinhado, barba por fazer, o semblante marcado pelo cansaço e pela preocupação, fez com que a vontade de chorar ameaçasse dominá-la por completo.Naquele breve encontro de olhares, a resposta que ela vinha procurando sobre perdoar ou não o passado entre eles pareceu saltar de dentro do próprio coração.Porém, antes que pudesse dar um pass
Augusto havia arquitetado cada passo com cuidado. Expor suas cicatrizes, dividir a dor mais íntima, arrancar do peito o peso de anos e colocar diante dela a verdade inteira. Tudo para, mesmo que o perdão não viesse de imediato, ao menos conquistar a chance de um recomeço.Sem Carlos para manipulá-lo e sem Leonor para sabotar, ele acreditava que, enfim, nada se interporia entre eles. Pensava que poderia se despir das máscaras e deixar que Margarida visse apenas o homem que sempre quis ser para ela.Mas, diante de si, encontrou apenas o silêncio dela.Do lado de fora, o vento castigava o mar, e o rugido das ondas se chocando contra as pedras reverberava pela casa. Cada estalo da água nas rochas parecia acentuar o peso da pausa.O olhar de súplica que ele mantinha começou a perder luz. No jeito dela evitar qualquer palavra, ele já lia a resposta que temia ouvir. E ela veio, lenta e certeira, como se quisesse ser gravada para sempre:— Augusto, agradeço por tudo o que fez para me proteger.
— Sim, hoje eu quis, de forma consciente, que você visse o meu lado mais miserável. — Disse Augusto, com uma firmeza que soava quase solene. — Antes, eu jamais permitiria. Não queria que tivesse contato com minhas fraquezas, nem com este corpo marcado de cicatrizes. Por isso, mesmo depois de três anos juntos, eu sempre mantive uma distância suficiente para evitar que se aproximasse demais, nunca tive coragem de me abrir por completo.Ele se ergueu lentamente da beira da cama, e seus olhos permaneceram fixos em Margarida, sem piscar.— Mas agora quero que veja. Quero que conheça cada ferida, porque todas elas fazem parte da verdade sobre a vida que levei e sobre as escolhas que tomei... escolhas que, no fim, diziam respeito a você.Inspirou com força, e a voz ganhou um peso diferente:— Você já percebeu que meu envolvimento com a Leonor nunca teve o coração envolvido. Então chegou a hora de contar tudo, sem esconder nada.O tom se tornou mais sombrio:— Não traí você simplesmente por fr