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Capítulo 0002

Author: Luisa Andrade
Quando me viu, Gabriel demonstrou um leve desconforto, mas tentou manter a compostura ao dizer:

— Vamos entrar juntos?

Não respondi. Apenas assenti com a cabeça e fui entrando.

O jantar foi extremamente constrangedor. Meus pais, provavelmente ainda magoados com tudo que aconteceu no dia do casamento, mal conseguiam disfarçar o desagrado com Gabriel.

Antes, eu teria feito de tudo para suavizar o clima. Mas agora, deixei que ele lidasse sozinho com o constrangimento.

Depois da refeição, quando eu estava prestes a chamar um carro, notei que Gabriel já havia estacionado o dele bem na minha frente. Assim que entrei, vi colado no banco do passageiro um adesivo com os dizeres: “Lugar reservado para Bia.”

Ele pigarreou, visivelmente desconfortável, e tentou justificar:

— Foi ideia da Bia... Ela que quis colar aí. De qualquer forma, você costuma dirigir seu próprio carro mesmo.

— É. No começo, sempre é assim. — Assenti calmamente.

Ele franziu a testa, prestes a responder, mas meu celular tocou.

Não dei atenção. Baixei os olhos e me concentrei na mensagem.

Quando terminei de resolver o que precisava, percebi que ele havia estacionado em frente a uma casa.

Assim que desci, Beatriz correu até ele e se atirou em seus braços.

— Gabi! Que saudade! Sentiu minha falta?

Talvez por estar na minha frente, Gabriel ficou visivelmente desconcertado. Afastou o rosto antes que ela tentasse beijá-lo.

— Para com isso, Bia. A gente já é adulto. Que comportamento é esse?

Ela me lançou um olhar triunfante e falou com voz melosa:

— E daí que a gente cresceu? Eu continuo sendo sua irmãzinha, né?

Ignorei o teatro dos dois e entrei direto na casa.

Logo na entrada, uma tela digital exibia uma sequência de fotos. Todas de Gabriel e Beatriz.

Numa, os dois abraçados assistindo ao pôr do sol. Em outra, jantando juntos. E, por fim, uma imagem deles se beijando com paixão.

Observei por alguns segundos, até que Gabriel veio correndo, visivelmente nervoso.

— Kari, essas fotos não são reais. Eu juro! Não fica brava, por favor!

Olhei para ele. Um instante de culpa passou por seus olhos.

— Estão bonitas. — Assenti com calma.

— Kari... Você não tá com raiva? — Beatriz franziu a testa, surpresa.

— Não. — Respondi, serena.

Antes que ela pudesse reagir, meu celular tocou de novo.

Era uma ligação do médico. Queria conversar sobre a internação marcada para o dia seguinte.

Havia feito exames recentemente e detectaram algo nos meus pulmões. Agora os resultados estavam prontos.

-

Afastei-me um pouco para atender, ignorando a expressão de Gabriel.

Quando voltei para a festa, dei de cara com Gabriel defendendo Beatriz e gritando com outro convidado. Pelo que ouvi, o homem havia derramado um pouco de vinho na barra do vestido dela, mas Gabriel exigia um pedido de desculpas como se fosse um crime.

Aquela cena me trouxe uma lembrança. De alguns anos atrás, num evento em que Gabriel e eu participamos juntos. Naquela noite, ao passar perto de uma torre de taças de champanhe no centro do salão, Beatriz me empurrou discretamente.

Perdi o equilíbrio e caí sobre a estrutura. As taças se estilhaçaram, e o champanhe se misturou ao sangue que escorria dos cortes no meu corpo.

Na época, pedi ajuda a Gabriel. Ele, diante de todos, gritou comigo:

“Você não sabe andar, não? Uma torre daquele tamanho, você não viu? Ainda foi se jogar em cima! Você tem noção da importância dessa festa? Eu não sei pra que serve alguém tão inútil como você! Se fosse eu, me matava ali mesmo!”

A lembrança se dissolveu. Olhei para a cena diante de mim e tudo me pareceu ridículo.

Virei as costas e fui embora sem dizer nada.

Gabriel não voltou pra casa naquela noite. E eu não me surpreendi. Não era a primeira vez.

Na manhã seguinte, enquanto eu me arrumava no banheiro, ouvi a porta da sala se abrir. Gabriel entrou com sacolas de café da manhã. Logo atrás, vinha Beatriz.

Ao me ver, ele colocou as sacolas sobre a mesa e tentou se justificar:

— Ontem a gente ficou até tarde... E eu estava com medo de voltar sozinho. Então dormi na casa da Bia. Você não vai ficar brava, né?

Beatriz pendurou-se no ombro dele e disse com deboche:

— Isso, Kari. Você não tá chateada, né?

Assenti em silêncio.

Gabriel pareceu notar meu distanciamento. Tentou parecer gentil:

— Você não queria tanto ver aquele filme novo? Aquele que acabou de estrear? Eu estou livre hoje, posso te levar.

Aquele filme estava sendo super elogiado. Eu o convidei várias vezes para irmos juntos, mas ele sempre recusava, alegando estar atolado de trabalho.

Poucos dias depois, vi a verdade no perfil da Beatriz.

[O melhor filme, o melhor de você.]

A foto não mostrava rostos, apenas duas mãos entrelaçadas. Mas eu conhecia aquela mão. Era dele.

O perfume feminino impregnado no casaco de Gabriel ainda pairava no ar. Respondi com frieza:

— Não precisa. Tenho compromissos hoje.

Ele pareceu desconcertado, prestes a insistir, mas Beatriz já estava sentada no sofá, me observando com malícia:

— Kari, esse compromisso... Não é com aquele seu amigo do colégio, né?

Olhei para ela, intrigada.

A decisão de me divorciar era algo que só eu e meu advogado sabíamos. Ninguém mais. Muito menos que esse advogado foi meu colega do ensino médio.

Beatriz, vendo minha reação, fez uma cara de falsa preocupação e se virou para Gabriel:

— Gabi... Não fica bravo, tá? É que ouvi uma amiga dizer que viu a Kari num café, agindo de forma... Íntima com um cara. Mas deve ter sido engano, né? A Kari te ama tanto... Jamais faria isso contigo.

Antes mesmo de ela terminar, o rosto de Gabriel já estava fechado. Num rompante, empurrou um vaso que estava sobre a mesa. Ele caiu e se espatifou no chão.

Ele me encarava, furioso:

— Karine! Então é por isso que você não quis ir ao cinema comigo? Pra encontrar outro cara? Você não tem vergonha na cara?!

Abaixei os olhos e encarei um dos cacos no chão. Permaneci em silêncio.

Beatriz se apressou em intervir, com voz fingidamente calma:

— Gabi, calma... A Kari também não tá errada. A mãe dela... Bem, você sabe, também traiu, então...

Antes que ela terminasse, peguei a caixa de lenços ao meu lado e joguei com força nela.

Pode me caluniar, mas não pode caluniar minha mãe.

A pele de Beatriz ficou vermelha onde foi atingida. Gabriel se apressou a segurar o braço dela, preocupado.

Enquanto ela fazia seu teatrinho de vítima, ele se virou pra mim e gritou:

— Karine, você me decepcionou profundamente! Mesmo que o que a Bia disse fosse mentira, você não podia partir pra agressão! Você sabe...

Ele ainda falava, mas interrompi com frieza:

— Então... Você sabe que ela mentiu?

Gabriel ficou sem graça por um segundo, mas logo se recompôs. Apontou o dedo pra mim, tentando manter autoridade:

— Sei. Eu também vi aquele cara. Mas o erro foi seu, por ter partido pra agressão. Agora pede desculpas pra Bia. Senão a gente vai pro cartório agora mesmo assinar o divórcio!

Um arrepio gelado percorreu meu corpo.

Olhei pra ele, incrédula, e perguntei com a voz embargada:

— Gabriel... Você tem ideia do que tá dizendo?

Ele deu uma risada seca, como se eu fosse ridícula:

— Karine, é claro que tenho. Mas nada justifica o que você fez. Pede desculpas agora. Ou divórcio!

Soltei uma risada curta, descrente. Sem dizer mais nada, fui até o armário, peguei o envelope com os papéis do divórcio e joguei em cima dele.

— Ótimo. Vamos agora mesmo.
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