Capítulo 0007

— Por que ela ligaria para isso? Catarina sabe exatamente a relação que temos. — Félix se levantou e, com um gesto carinhoso, pegou um guardanapo para limpar o canto da boca de Eunice, sorrindo como quem desconhece o exagero da cena. — Você já está grandinha, mas vive virando uma bagunça quando come. Parece criança pequena, viu?

Naquele momento, um enjoo tomou conta de Catarina. O simples ato de vê-los juntos já era mais do que suficiente para fazê-la perder o apetite.

— Não estou bem, vou embora. — Ela disse, de repente.

— O que houve? — Félix imediatamente olhou para ela com preocupação. — É o bebê de novo? Esse pequeno não dá sossego mesmo.

Por um momento, Catarina chegou a pensar que ele se ofereceria para levá-la para casa. Contudo, em vez disso, Félix logo falou:

— Se não estiver se sentindo muito bem, pode ir indo. Assim que Eunice terminar de comer, te alcanço em casa.

Seu tom era cuidadoso, mas ela sentiu, mais do que nunca, que mesmo a gravidez não poderia rivalizar com a fome de Eunice no coração dele.

Naquele instante, o alarme de fumaça soou alto no salão, seguido por gritos:

— Fogo! Todo mundo para fora, rápido!

As pessoas começaram a se levantar às pressas, empurrando, formando uma confusão generalizada.

Catarina ficou paralisada, sem saber como agir em meio ao caos, procurando instintivamente por um porto seguro. Ela olhou para Félix, esperando, talvez, que ele a buscasse. Mas tudo o que viu foi Félix pegando Eunice no colo, saindo em disparada antes mesmo de olhar para trás.

Em nenhum momento Félix se preocupou em procurar Catarina, sequer lançou um olhar em sua direção.

Poucos minutos se passaram até confirmarem que era somente um falso alarme. Alguém tinha fumado próximo ao detector e causado aquela bagunça. Logo, todos retornaram às mesas, inclusive Félix e Eunice.

— Nossa, Félix, eu estava morrendo de medo! Ainda bem que você estava comigo. — Eunice praticamente se jogava nele enquanto voltavam juntos para o salão, exibindo uma intimidade que feria ainda mais Catarina.

Félix então afagou os cabelos de Eunice, como se não existisse mais ninguém à volta, e falou baixinho:

— Já te disse, pequena, eu prometi que sempre vou cuidar de você.

As palavras eram como gelo atravessando a garganta de Catarina, que sentia uma decepção avassaladora dominar cada centímetro do corpo.

Lembranças tomaram sua mente. Três anos atrás, quando Eunice viajou para fora, Félix as levou para uma trilha e, naquele passeio, Eunice armou uma briga boba, fingiu um tombo e chorou. Sem querer saber de explicações, Félix passou um sermão inteiro em Catarina, protegendo Eunice sem hesitar. No caminho de volta, quando um macaco assustou Catarina tentando roubar sua bolsa, Félix, mais uma vez, se colocou como escudo apenas para Eunice, preocupado demais para dar atenção a qualquer outra coisa.

Naquele momento, tudo finalmente ficou claro para Catarina. Durante todo aquele tempo, ela nunca foi prioridade. No coração de Félix, só havia espaço real para Eunice.

— Puxa, Catarina, quase esqueci você aqui!— Disse Eunice ao retornar para a mesa, levando a mão à boca fingindo espanto. — Você está bem? Por que não correu para fora também?

Só então Félix pareceu ouvir o nome da própria esposa, o peso da culpa passando pelo seu rosto. Correu até Catarina, segurou sua mão com certa pressa e buscou se justificar:

— Catarina, desculpa. Foi tudo muito rápido, só pensei que a Eunice é conhecida e não pode se machucar em público.

— Já entendi. — Catarina cortou, cansada de ouvir sempre as mesmas desculpas, repetidas à exaustão.

— Você não vai brigar comigo por isso, vai?

Catarina retirou a mão da dele, forçando um sorriso.

— Claro que não, fica tranquilo.

— Você é incrível, Catarina!

Félix ficou genuinamente surpreso. Ela sempre teria levantado a voz naquela situação, mas agora, apenas sorria calada.

— Eu juro, dessa vez é sério. Nunca mais vou deixar você em segundo plano.

Catarina abaixou os olhos, num misto de resignação e descrença. Descobriu, com amargura, que promessas podiam ser vazias e pesavam nada.

De repente, Eunice começou a tossir. Félix soltou Catarina imediatamente, correndo para atender à outra.

— O que aconteceu, Eunice? Está tudo bem?

— Acho que aquela carne de cordeiro arranhou minha garganta. Ai, Félix, estou me sentindo tão mal.

— Catarina. — Ele se virou com ar preocupado. — A Eunice não está bem, vou levar ela para casa agora.

— Tudo certo. — Catarina apenas assentiu, sem cor na voz. — Pode ir.

— Isso mesmo, minha querida. — Félix ainda tocou levemente a testa de Catarina com os lábios, antes de sair apressado com Eunice debaixo do braço.