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Capítulo 0002

Author: Luna Santos
Henrique me olhou com um olhar escuro, pesado, cheio de decepção.

— Sabrina, eu realmente não achei que você fosse esse tipo de pessoa. Fui eu quem encontrou os rins. Você não tem o direito de decidir nada.

Eu ri.

Ri porque era ridículo.

Esse era o homem que dizia me amar mais do que tudo, com quem estive por oito anos.

Com o rosto fechado, falei com uma frieza que nem eu sabia que tinha:

— Basta uma lágrima dela pra você achar que a culpa é minha? Você é noivo dela agora ou meu? — Olhei direto em seus olhos e disparei. — Henrique, abre os olhos. Ela quer os dois rins. Quem aqui tá tentando matar a outra?

Henrique desviou o olhar por um instante. Depois, suavizou o tom como se estivesse tentando me acalmar:

— Sabi, se você der os dois rins pra Mari, eu prometo que vou encontrar um pra você o mais rápido possível.

Fiquei sem palavras.

Olhei pra ele, horrorizada.

Então ele sabia.

Sabia que Mariana queria os dois.

Voltei o olhar pra minha mãe. Ela tinha a expressão de quem acreditava estar com toda a razão, como se os dois rins fossem, por direito, da Mariana.

A situação era tão absurda que eu não consegui segurar uma risada.

— Henrique, a gente tá junto há oito anos. Eu achava que te conhecia... Mas não vi em que momento você e Mariana começaram a se envolver. E se eu te dissesse que os médicos me avisaram que meu estado piorou, e que se eu não fizer esse transplante agora... Eu vou morrer? Mesmo assim, você ainda daria os dois rins pra ela?

Henrique tentou segurar minha mão, abrindo a boca pra responder. Mas Mariana se antecipou, chorando alto:

— Mana, você tá entendendo tudo errado. Não tem nada entre mim e o Rick. Mesmo que você não queira me deixar fazer o transplante, não precisa inventar isso só pra assustar o Rick...

Minha mãe, do lado dela, entrou na conversa:

— Ontem mesmo eu perguntei pro médico. Ele disse que sua condição tá estável. Você aguenta mais dez anos esperando por outro rim, fácil.

O olhar de Henrique mudou. Ficou mais duro, mais acusador.

— Sabrina, você não é mais a mesma. Cadê aquela menina doce e gentil de antes? Ou será que sua mãe tem razão... E você sempre foi assim? Manipuladora, egoísta, inventando mentiras e perseguindo sua irmã doente desde criança?

Não respondi. Só me desvencilhei dele e fui em direção à porta.

— Dá pra viver com um rim só. Mesmo que eu abra mão do meu, o hospital nunca vai entregar os dois pra Mariana. Esqueçam isso de uma vez por todas.

O rosto da minha mãe se transformou na hora. Ela se jogou na minha frente, me impedindo de sair.

No meio da confusão, sem entender direito o que Henrique fez, senti tudo escurecer. E apaguei.

Quando voltei a mim, estava numa casa de campo, afastada da cidade.

Henrique estava de pé, em frente à janela de vidro, falando ao telefone com uma voz suave:

— Fica tranquila e se prepara pro transplante. Sua irmã vai estar sendo vigiada. Mari, você é boa demais... É por isso que ela te trata assim. Se não fosse por você, que mesmo doente me salvou naquela época, eu já teria morrido. Eu...

Ele se calou ao ouvir o som da cama ranger. Virou-se e me viu sentada.

— Preciso desligar, tenho que resolver uma coisa aqui. — Disse rapidamente, antes de encerrar a chamada.

Foi só então que percebi que chorava. As lágrimas desciam geladas até minha boca.

Henrique, que um dia dizia se desesperar só de me ver chorar, agora me olhava com frieza.

Havia impaciência no seu rosto.

— Fica quieta aqui na casa até a Mari terminar a cirurgia. Depois você volta pro hospital. — Ordenou ele.

Limpei o rosto de qualquer jeito e o encarei:

— Você se apaixonou por ela? Mesmo que eu morra, você não liga mais?

Henrique franziu a testa, a expressão entediada.

— Sabrina, não usa a morte como chantagem só porque eu sempre te mimava. Você sabe que eu odeio chantagem. — Ele se aproximou, se inclinou sobre mim e, com uma mão apoiada na cama, apertou meu queixo com a outra. Seus olhos estavam sombrios, sua voz baixa e ameaçadora. — Você não tá doente há tanto tempo quanto sua irmã. Ela só quer viver como uma pessoa normal. Por que você tá sendo tão egoísta? Não é possível esperar pelo próximo rim?
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