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Capítulo 6

Autor: Ginse
Às duas e quarenta da tarde, Elisa já estava sentada na sala de espera do cartório, as mãos entrelaçadas no colo.

Às três horas em ponto, horário marcado, Daniel ainda não havia aparecido. Ela pensou que fosse o trânsito pesado da cidade.

Às três e meia, nada. Ligou para ele várias vezes, mas não obteve resposta alguma.

Às quatro horas, Elisa desistiu de esperar. Saiu do prédio com passos firmes, chamou um táxi e foi direto para a sede do Grupo Carvalho.

Aquele lugar lhe era familiar demais. Durante os últimos três anos, sempre que Daniel estava no escritório, ela aparecia sem falta, chuva ou sol, levando sopa quente para ele. Mas, dessa vez, foi barrada logo na recepção do térreo.

— A senhora tem horário marcado com alguém? — Perguntou a recepcionista, uma moça jovem que ela nunca havia visto antes.

Elisa piscou, surpresa com a pergunta. Desde que Daniel assumiu o comando do grupo após a morte de Paloma, até as recepcionistas que a tia dele havia escolhido haviam sido substituídas. Ele queria apagar qualquer traço da influência dela na empresa.

Respirou fundo e mandou uma mensagem pelo WhatsApp para Daniel: [Estou aqui embaixo na recepção. Se você não quer que a nova recepcionista saiba que sou sua esposa, manda alguém me buscar.]

Conhecendo Daniel como conhecia, Elisa apostava que Daniel não gostaria de ver o próprio segredo exposto logo na portaria. Ela acertou em cheio. Poucos minutos depois, André, o assistente dele, apareceu para buscá-la e a levou pelo elevador privativo do presidente.

— Sra. Carvalho, o Sr. Daniel ainda está em reunião com a diretoria. Quer um café enquanto espera? — Perguntou André com educação, abrindo a porta do escritório presidencial.

— Não, obrigada. — Respondeu Elisa, entrando no ambiente amplo.

O escritório continuava o mesmo de sempre, com decoração em preto e branco, móveis minimalistas, linhas retas e clima frio. A única coisa que destoava daquela frieza toda era o enorme quadro pendurado atrás da mesa executiva, uma baleia-pintada em tons de cinza e azul, nadando sozinha no meio do nada.

Ela sempre parava diante daquela pintura quando vinha ao escritório. Principalmente pela frase inscrita no canto inferior direito, em letras cursivas: "A baleia nada para o mar, e eu nado até você."

A baleia era Daniel, e o "você" da frase era Renata.

A pintura tinha sido encomendada antes do casamento arranjado. Uma provocação clara de Daniel, feita pela própria Renata, como forma de expressar o quanto ele desprezava ter sido forçado por Paloma a se casar com Elisa.

Toda vez que olhava para o quadro, Elisa se lembrava de que, na vida daquele homem, ela nunca passaria de um erro imposto.

Perdida naqueles pensamentos amargos, nem percebeu a porta se abrindo atrás dela.

Daniel entrou no escritório com passos decididos. Elisa disfarçou o sobressalto e engoliu o nó que se formou na garganta.

— Não era para a gente se encontrar às três no cartório? Por que você não foi? — Perguntou Elisa, tentando soar calma e controlada.

Daniel arqueou uma sobrancelha, com aquele sorriso provocador que tanto a irritava.

— Ontem você disse que seria às dez da manhã, e não apareceu também.

— Você sabe muito bem por que não fui ontem. — Respondeu Elisa no impulso, sentindo o rosto esquentar.

Ele soltou uma risada baixa e provocadora.

— Sei? Que eu me lembre, quem mais "trabalhou" ontem à noite fui eu.

Elisa bufou de irritação. Como ele conseguia falar de algo tão íntimo com a mesma naturalidade de quem comentava o clima? Sem vergonha nenhuma.

Mas ela não ia se rebaixar ao nível dele. Olhou para o relógio de pulso e disse com frieza:

— Faltei uma vez, você faltou outra. Estamos quites. Se sairmos agora, ainda dá tempo de chegar antes do expediente acabar.

— Não posso ir agora. — Declarou Daniel, caminhando até a mesa.

Elisa se colocou à frente dele, bloqueando a passagem com o corpo.

— Daniel, o que você quer, afinal? Para de enrolar!

Ele ergueu o braço para afastá-la do caminho e só então notou a faixa de gaze em volta da mão dela, mais grossa do que pela manhã.

— O que aconteceu na sua mão? — Perguntou Daniel, quase sem pensar, a voz saindo diferente.

— Olha só... você voltou a enxergar? — Retrucou Elisa, sarcástica e amarga. — Ontem eu quase perdi a mão, e se dependesse de você para me levar ao hospital, meu corpo já estaria em decomposição quando você resolvesse aparecer.

Daniel se arrependeu de ter perguntado. Por que diabos se importava com aquilo? Mas ouvir aquele tom zombeteiro e cheio de ressentimento acendeu a irritação que ainda tentava conter.

— Cuidar de você é o mesmo que alimentar um cachorro que morde a mão do dono. — Disparou ele, a voz áspera.

Elisa levantou o curativo na frente dele e rebateu na lata:

— Reflexo condicionado.

Quem era o cachorro ingrato ali, que cada um julgasse por si.

Por um segundo, Daniel ficou sem reação, pego de surpresa. Havia algo de familiar naquela ironia afiada, o mesmo jeito espirituoso com que, anos antes, ela o fazia rir para convencê-lo a tomar as sopas amargas de ervas medicinais. Mas desde a morte da tia dele, Elisa nunca mais lhe preparava uma única refeição, nem um único sorriso sincero.

— Daniel, está me ouvindo? Se não formos agora, o cartório fecha e vamos ter que remarcar de novo. — Insistiu Elisa, acenando a mão diante do rosto dele com impaciência.

Ele desviou o olhar, empurrando a mão dela para longe com mais força do que pretendia.

— Não está vendo a pilha de relatórios na minha mesa? Nem todo mundo ganha um milhão por mês ficando em casa sem fazer nada.

Elisa soltou uma risada curta e sem humor.

— Esse dinheiro nem era seu, era da sua tia. Está com pena de quê? Fala como se eu tivesse gasto um centavo sequer do seu bolso.

Três anos casados, e ela nunca tocava no dinheiro dele, nem pedia nada.

Daniel sorriu com desprezo, cruzando os braços.

— Ah, está reclamando que não te dei dinheiro? O Tiago te deu, foi? Por isso corre tanto para os braços dele?

Elisa piscou várias vezes, confusa com a acusação.

— Como assim? Você viu a gente juntos?
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