Capítulo 3

— Ah, eu me esqueci que você não pode tomar leite... Depois eu te faço um copo de leite de soja. — Disse minha mãe apressada, tentando consertar a situação, com medo de revelar que se importava mais com Gabriela do que comigo.

Com um estalo, meu pai bateu o copo na mesa e me repreendeu com o tom irritado:

— Que frescura é essa? É por isso que você é tão mimada, Letícia. Está acostumada com tudo e faz o que quer desde pequena. Já temos que levar a Gabriela para fazer a matrícula na nova escola, não temos tempo a perder!

A Letícia do passado teria ficado arrasada com essa frase e teria feito um escândalo, mas agora só restava a dormência em meu coração.

Sentei-me num canto da mesa, e vi um sorriso de satisfação nos lábios de Gabriela, que estava com a cabeça baixa, comendo. Mas quando ela levantou o olhar, seu rosto já estava tomado por uma profunda tristeza.

— Papai, por favor, não fale assim da Letícia. Ela não é como eu. Foi criada com amor e carinho, por isso é natural que seja um pouco mimada. Isso só mostra o quanto vocês a amam.

Meus pais, com o coração de manteiga, ficaram novamente com os olhos marejados. Como poderia existir uma menina tão angelical no mundo? Em comparação, eu, que tinha tudo desde pequena, era tão imatura. Seus olhares sobre mim estavam cheios de desapontamento.

Mas eu não me importava. Eu e meus pais quase rompemos na vida anterior, e o que eles pensavam de mim não importava mais.

Eu poderia muito bem bajular Gabriela, bancar a irmãzinha obediente e fácil de controlar. Assim, eu continuaria sendo a “boa filha” e poderia pegar as migalhas de carinho que eles davam para Gabriela.

Mas eu faria Gabriela entender que o amor familiar e a atenção que ela obteve com tanto esforço, não valiam nada para mim.

Quando a “família de três” voltou para casa depois de resolver a matrícula, eu já tinha me mudado do meu antigo quarto, levando minhas coisas para o quarto vago de babá.

Eu não estava cedendo meu espaço a ela de propósito, só queria ter um espaço só meu.

Meu pai afagou minha cabeça com carinho e disse:

— Letícia é tão responsável. É a boa filha do papai.

Uma criança pequena poderia ficar orgulhosa por causa disso. Mas a Letícia que renasceu, entendeu a segunda intenção da frase: somente se eu me sacrificasse pela felicidade de Gabriela, demonstrando compaixão por ela como meus pais faziam, seria digna de ser sua "boa filha".

Gabriela invadiu o meu quarto para dar uma olhada e, ao ver meu conjunto de materiais de arte que meus pais haviam comprado para mim, seu rosto empalideceu de repente. Ela se jogou nos braços da minha mãe, soluçando.

— Buá... Eu também queria poder pintar sem preocupações como a Letícia.

Minha mãe me olhou, constrangida. Depois de hesitar por um longo tempo, ela finalmente falou:

— Desculpe, Letícia, mas para cuidar da saúde da Gabriela, você poderia guardar seus materiais de pintura por enquanto?

De novo. Desde que Gabriela apareceu, meu espaço vital era espremido, e no final, até meus hobbies e sonhos não tinham mais lugar.

Foi assim na vida passada. Gabriela não podia pintar por muito tempo devido aos seus olhos, então eu também fui forçada a reduzir o tempo que dedicava à pintura.

Apesar de ser filha de pintores, eu não podia comprar materiais de arte quando queria, nem frequentar aulas, simplesmente porque Gabriela ficaria chateada se visse.

Mas Gabriela, por outro lado, podia se aninhar nos braços de meu pai e aprender a pintar com ele. Cada obra dela era emoldurada com carinho, enquanto meus desenhos tinham que ser escondidos no fundo da minha caixa de arte.