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CAPÍTULO 2

Author: Sardinha Tranquila
Soltei um sorriso frio, não disse nada.

— Mana, não culpa o mano e o Fernando. Eles só estavam preocupados comigo.

A Isabela falou baixinho, com aquela voz de quem parece que vai chorar a qualquer momento.

— O mano já me explicou tudo, pode ficar tranquila. Eu sou só uma órfã, não é? Nem ligo de ter que me casar no seu lugar... Se você quisesse que eu morresse, eu também aceitaria, sem reclamar...

Enquanto falava, os olhos dela logo ficaram vermelhos, e a voz embargou ainda mais.

— Não fala assim, Isabela. Pra mim, você sempre vai ser minha irmãzinha.

Miguel falou com carinho, passando a mão na cabeça dela, aquele gesto de afeto que antes era só meu.

— Isso mesmo, Isabela! A gente ainda pode encontrar uma solução. Fica tranquila, o Fernando nunca vai deixar você se casar com outro cara!

O Fernando garantiu com toda a convicção, como se tivesse esquecido de todas as promessas que um dia fez pra mim.

Vendo a cena dos três, tão próximos, me deu até enjoo.

Já fui a princesinha deles, mas agora, era como se eu fosse uma estranha nessa casa.

Respirei fundo e engoli a raiva:

— Estou cansada, vou pro quarto.

Logo depois, a voz melosa da Isabela veio do corredor:

— Mana, fiz uma sobremesa pra você, abre a porta?

— Eu só estava brincando, não achei que o mano e o Fernando fossem mesmo te empurrar...

Logo vieram batidas mais fortes na porta, seguidas da voz já impaciente do Miguel:

— Helena, abre logo, a Isabela já te pediu desculpa. Não faz mais birra.

— Agora que a Isabela está na família, ela é nossa parente também. Como irmã mais velha, você devia ter mais paciência com a caçula.

Ouvir aquilo me fez estremecer.

Naquela época, o Miguel dizia que eu era a única família dele. Agora, ele já tinha outra irmã.

— Helena, não é todo mundo que aguenta esse seu gênio de princesa. A Isabela não tá bem, será que você pode parar de deixar ela assim nervosa?

Na parede, ainda estava o quadro que o Fernando pintou pra mim. Uma pena, o cavaleiro esqueceu a promessa de proteger a princesa.

— Deixa, melhor deixar ela sozinha por enquanto.

Alguém falou isso e o corredor finalmente ficou em silêncio.

Juntei todos os presentes que ganhei dos dois e joguei tudo na lareira.

O colar que o Miguel não deixava eu tirar, as cartas de amor do Fernando, o sapatinho de cristal, o vestido de princesa...

Enquanto as chamas iam sumindo, senti as lágrimas secarem, ficando só as cinzas no chão e um vazio no peito.

Irmão e amigo de infância, eu não queria mais nenhum dos dois.

Na manhã seguinte, acordei e o corredor estava cheio de caixas de presente.

No topo, os bilhetes de desculpas do Miguel e do Fernando:

“Ontem eu errei, eu prometo que vou fazer um aniversário melhor pra você.”

“Desculpa, Helena. Olha esses presentes com carinho, me perdoa só dessa vez.”

Olhando para a letra apressada deles, senti meu olhar ficar ainda mais apagado.

Antes, sempre que eu ficava brava, o Miguel ficava na porta com os olhos vermelhos, jurando que não ia sair até eu perdoar ele, nem que morresse ali.

O Fernando trazia as luvas de boxe, dizendo pra eu descontar a raiva nele, mas nunca guardar isso pra mim.

Agora, aqueles dois que nunca me deixaram dormir chateada, sumiram.

Só sobraram presentes frios, parados na porta.

Tanto faz.

De qualquer jeito, daqui a uns dias eu vou embora mesmo.

Dei um sorriso irônico, juntei tudo e joguei no lixo. Bem na hora, os três estavam descendo e viram a cena.

— Mana, o que você tá fazendo? Esses presentes são caros!

A Isabela correu pra revirar o lixo, mas o Fernando segurou ela:

— Deixa isso pra lá, Isabela. Tá sujo. Tem gente que sempre vai ser mimada, nunca vai ser tão compreensiva quanto você.

Até o Miguel ficou sério:

— Helena, isso é imaturidade. Eu preparei tudo com cuidado, como é que você joga fora?

Preparou mesmo?

Só que dentro de cada caixa bonita, só tinha amostra grátis de loja.

Como eu fiquei calada, a Isabela tentou amenizar:

— Mana, não fica chateada. O mano e o Fernando só me emprestaram as coisas boas pra eu experimentar… Já vou devolver pra você.

— Você sempre foi a filha rica e mimada, teve tudo. Eu sou só uma órfã, pra mim tanto faz...

— Mas eu me importo!

Miguel falou de repente, puxando a Isabela e olhando bem pra ela:

— Escuta, Isabela, você é minha irmã. Você merece tudo isso.

Antes, se o meu único irmão dissesse isso, eu teria ficado arrasada, ia fazer um escândalo até ninguém mais aguentar.

Agora, só forcei um sorriso:

— Beleza, então deixa a casa toda pra ela.

O Miguel ficou até surpreso com minha indiferença.

Antes que ele dissesse mais alguma coisa, o Sr. Gustavo ligou pra confirmar a data.

— Tá bom, então a gente se vê em três dias.

Respondi baixo, desliguei rápido.

Quando levantei os olhos, Miguel e Fernando já estavam na minha frente.

— Quem era no telefone? Vai pra onde em três dias?
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