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Capítulo 4

Author: Helena Amorim
Dentro do camarote, a luz era intensa, iluminando diretamente o rosto de Aureliano. Seu semblante permanecia impassível como uma escultura. O cigarro entre seus dedos queimava até o fim; a brasa vermelha já alcançava sua pele, mas ele parecia não sentir nada.

Aureliano sentiu vagamente o cheiro de carne queimada. Era dele mesmo.

Mas seus nervos pareciam anestesiados. De repente, ele se levantou, se curvou e pegou o paletó que havia caído no chão. Seu rosto continuava inexpressivo, mas, em seus olhos, uma escuridão revolvia.

— Teve uma emergência no hospital. Preciso ir.

Ele saiu rapidamente. Cada passo era impetuoso, como se não quisesse passar nem mais um segundo naquele lugar.

Félix tentou alcançá-lo, mas o homem logo sumiu de vista. Sem alternativa, voltou ao camarote.

Nesse momento, uma colega de turma, que esteve calada o tempo todo, hesitou antes de falar. Sua voz era suave, mas bastou para silenciar todo o ambiente.

— Vocês nunca ouviram um boato?

— Que boato?

— A Silvana e o Aureliano estudaram juntos na Universidade Nova Lusitana e namoraram em segredo por três anos.

Aquilo deixou todos de queixo caído. A voz de Natália ficou aguda.

— Daniela, você só pode estar brincando. A Silvana? Aquela gordinha feia? O Aureliano jamais teria esse mau gosto. Você deve estar sonhando.

— Pois é, Daniela, você não está confundindo as coisas? Se até a Silvana conseguiu conquistar o Aureliano... Então eu já devia ser a nora da família Martins.

Um rapaz se apressou em responder:

— Também não é bem assim... A Silvana era gordinha, mas não era feia. Tinha um charme e falava de um jeito bem doce.

Daniela assentiu. Quando soube da história pela primeira vez, também ficou surpresa.

— É verdade. Minha irmã estudava lá, na Universidade Nova Lusitana. Esse boato ficou bem conhecido na universidade. Diziam que uma gordinha namorou escondido com o cara mais bonito da faculdade por três anos. Se não acreditam, podem perguntar para o Aureliano.

Mas ninguém ali tinha coragem de perguntar diretamente ao Aureliano.

Achavam tudo aquilo muito absurdo, mas, vendo a convicção de Daniela, acabaram acreditando.

— Mas... A Silvana morreu mesmo?

Natália estava visivelmente irritada.

— Acho que sim. A Yasmin acabou de dizer que viu com os próprios olhos. Ela estava com um tumor na barriga.

— Faz sentido... Tantos anos e ninguém conseguiu mais contato com ela.

Todos concordaram. Em plena era digital, se ninguém mais tinha notícias de Silvana, provavelmente era porque ela já não estava mais viva.

...

Aureliano virou o corredor às pressas e acabou esbarrando em alguém. Ele estava com tanta pressa.

Do outro lado, uma voz delicada soltou um "Ai!" enquanto o corpo cambaleava para trás.

Maristela, por reflexo, tentou se agarrar a algo. Quando conseguiu se firmar, percebeu que estava segurando a camisa do homem.

— Me... Me desculpe.

Maristela se desculpou automaticamente. Ao levantar o olhar e ver aquele rosto bonito e familiar, seus lábios perderam a cor. Ela não esperava encontrá-lo de novo.

"O mundo é mesmo pequeno?" Pensou ela.

Aureliano apenas disse:

— Desculpe.

Sem nem sequer prestar atenção nela, saiu apressado. Sua mente estava um caos; ele precisava de um lugar para se acalmar. O leve perfume gelado que ele carregava foi se dissipando no ar.

Maristela continuou parada ali. Ela só tinha saído para ir ao banheiro e acabou esbarrando justamente com quem foi, um dia, a pessoa mais próxima dela.

Abaixando o olhar para o chão, viu algo caído. Era um botão de punho masculino, de acabamento refinado.

Maristela o pegou. Sem pensar, deu alguns passos na direção que Aureliano havia tomado, mas parou bruscamente.

Eles já não tinham mais nada um com o outro. Se se encontrarem e não se reconhecerem... Talvez fosse o melhor.

...

De volta em casa, Maristela tomou banho e se deitou. Na mesa de cabeceira ao lado da cama, estava o botão de punho.

Ela passou levemente os dedos sobre ele, mergulhada em pensamentos. Os hábitos e gostos dele... Pareciam não ter mudado.

Naquela época, ele já gostava dessa marca. Discreta, sofisticada, de altíssima qualidade.

O toque do celular interrompeu as lembranças de Maristela. Vendo o identificador de chamadas, ela atendeu depressa.

— Oi, vovó.

— Silvana, por que você mandou dinheiro de novo? Eu não preciso, quase não gasto nada aqui em casa.

Ouvindo a bronca carinhosa da avó, Maristela sorriu.

— Então guarde para mim.

Conversaram por alguns minutos. Nos últimos tempos, o trabalho de Maristela estava puxado. Ela tinha planos de visitar a cidade natal com Eulália antes do início das aulas, mas acabou ficando sem tempo. Pensou em trazer a avó para passar uns dias com ela, assim que as coisas se acalmassem no trabalho.

Maristela só tinha a avó como parente próxima. Antes de desligar, a voz da avó voltou do outro lado da linha:

— Silvana, seu tio... Por mais que ele tenha seus defeitos, ainda é seu tio. Dias atrás, ele veio aqui e perguntou por você.

A voz da avó hesitou, como se estivesse prestes a dizer algo, mas recuasse. Na verdade, Maristela não queria que a avó se preocupasse com essas coisas.

Ela era ainda muito pequena quando os pais se divorciaram. A mãe foi embora logo em seguida e nunca mais voltou. Nem mesmo quando o avô faleceu.

Naquela época, Maristela tinha apenas dois anos e quase nenhuma lembrança da mãe.

Quanto ao pai, tudo o que sabia era que ele era viciado em jogos. Quando perdia, desaparecia. Quando ganhava, trazia alguma comida gostosa. Nos momentos em que sumia, deixava Maristela aos cuidados dos avós.

Foram o avô e a avó que a criaram.

— Vovó, eu sei. — Disse com doçura.

Mas aquelas palavras eram apenas para tranquilizar a avó. Maristela não queria lembrar do tio e da tia, e muito menos retomar contato com eles. Mesmo morando todos na mesma cidade.

Depois de desligar, Maristela pegou o botão de punho e o guardou em um saquinho vedado, o colocando em um lugar seguro.

Naquela semana, levou a filha ao hospital para o exame de rotina, mas evitou propositalmente o consultório de Aureliano. Ele atendia às terças, então ela sempre ia às segundas ou quartas.

Não era como se nunca mais tivessem se encontrado.

Hospitais eram lugares cheios de gente, onde todos carregavam no rosto uma mistura de pressa, sofrimento e cansaço. Maristela, de máscara, segurava a mão da filha ao entrar no elevador, que estava lotado. Pessoas entravam e saíam.

Uma enfermeira chamou alguém:

— Dr. Aureliano.

Uma voz grave respondeu atrás dela. Maristela apertou a mão da filha. Sentiu, com certeza, que Aureliano estava logo atrás. Podia até ouvir a respiração dele.

No terceiro andar, o elevador parou. As pessoas saíram. Eles seguiram para a mesma ala de consultas. Maristela foi para a fila do consultório 6, enquanto Aureliano entrou na sala 8.

— Mãe, sua mão está toda suada.

Eulália olhou para cima e balançou a mão da mãe.

Maristela abaixou o olhar, soltando a mão da filha. Ela também viu que sua própria palma estava úmida de suor.

Toda vez que reencontrava Aureliano, seu corpo reagia com tensão, mesmo sabendo que Aureliano não a reconheceria.

Esse reencontro não planejado com Aureliano havia fugido completamente do seu controle. O coração de Maristela não conseguia evitar o turbilhão.

Ela deixou o botão de punho, que ele havia perdido no Sabor & Samba, no balcão de informações do hospital.

...

À noite, Maristela foi até o quarto lateral ver a filha. Eulália dormia profundamente, abraçada a um coelhinho de pelúcia.

Eulália parecia muito com Aureliano. As sobrancelhas, o contorno dos olhos, o nariz.

Maristela ainda foi ao banheiro e se olhou no espelho. Seu rosto era fino, a pele clara, cabelos longos caíam sobre os ombros, olhos brilhantes, lábios com um leve tom rosado. Ninguém conseguiria associar a mulher do espelho àquela gordinha de sete anos atrás.

Em Serra da Lua, uma metrópole com mais de um milhão de habitantes, um encontro apressado não passava de um segundo entre estranhos.

Naquela noite, Aureliano voltou para a casa da família Martins.

Durante o jantar, o Sr. Marcelo resmungou e largou os talheres. Ao lado dele, a Sra. Rafaela o fulminou com um olhar antes de voltar a encarar o filho caçula.

Logo no primeiro ano de casamento, uma amiga íntima de Rafaela faleceu em um acidente aéreo, deixando para trás um menino de doze anos: André Pereira. A família Martins o adotou, e mais tarde ele passou a se chamar André Martins.

A Sra. Rafaela só conseguiu engravidar aos trinta e três anos, quando teve uma filha, a Vanessa.

O Grupo Martins ficou sob a responsabilidade de André e de Vanessa.

Foi apenas aos quarenta e cinco anos que ela conseguiu, com muita dificuldade, dar à luz os gêmeos Samuel e Aureliano. Mas, vinte anos atrás, aconteceu um sequestro que chocou Serra da Lua inteira: levaram um dos filhos.

Os dois meninos foram sequestrados, mas apenas um voltou. O mais novo, Aureliano, sobreviveu. Ao lembrar do filho perdido, os olhos da Sra. Rafaela se encheram de lágrimas.

Mas, vendo que naquela noite todos estavam reunidos e alegres, ela apenas enxugou discretamente os olhos e voltou sua atenção para o filho mais novo.

Aureliano sempre foi motivo de orgulho. Desde pequeno, nunca deu dor de cabeça aos pais. A única preocupação era sua vida amorosa, que permanecia misteriosamente vazia.

Várias vezes, a Sra. Rafaela chegou a se perguntar se o filho tinha algum problema oculto. Aquilo a deixava inquieta.

Ela já tinha passado dos setenta, era geralmente uma senhora bem-humorada. Mas, naquele momento, fechou a cara:

— Aureliano, você tinha um encontro marcado com a filha da família Rodrigues nesta quarta-feira. Por que não foi?

Aureliano apenas assentiu com a cabeça.

— E esse aceno quer dizer o quê? — Ela pressionou, massageando a testa. — Eu conheço a Srta. Beatriz da família Rodrigues. Muito bonita. Quando era pequena, vivia vindo aqui em casa. O Sr. Eduardo e seu avô foram companheiros de guerra. Você deveria ao menos conhecê-la. Mesmo que não goste, precisa pelo menos dar uma chance... Você já está quase com trinta anos.

Aureliano franziu ligeiramente a testa.

— Nesse caso, deixe tudo sob seu comando. Vou subir primeiro...
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