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Capítulo 0005

Author: Ren
A preocupação de Samuel com ela não chegava nem perto da de um desconhecido.

Foi Matheo, alguém que conhecera naquela mesma noite, quem estendeu a mão. Cobriu os ombros de Eloá com o próprio paletó e a levou ao hospital.

Dirigindo com pressa, Matheo tentou confortar a Eloá:

— Aguenta só mais um pouco, já estamos chegando. — Disse, mantendo o olhar na estrada.

No banco do passageiro, Eloá tremia. Fazia de tudo para não deixar o sangue tocar o estofado.

Percebendo o desconforto dela, Matheo resolveu quebrar o silêncio com leveza:

— Srta. Eloá, acho que hoje não era seu dia para sair de casa.

— O quê? — Respondeu ela, confusa.

— Quando vi você ali no salão de exposições, percebi uma aura meio sombria ao seu redor. Adivinha? Acabei acertando, você se machucou! — Riu, provocador.

Eloá não conteve o riso e agradeceu.

Mesmo assim, ao chegar, insistiu em entrar no hospital sozinha.

Matheo respeitou.

Parada na porta, sentiu o vento frio bater.

Ela odiava hospitais. Já tinha visto demais entre aquelas paredes.

Foi ali, anos atrás, que viu os pais — vítimas de um acidente brutal — chegarem cobertos de sangue.

A criança ajoelhada, rezando sem parar, só recebeu de volta dois corpos sem vida.

Desde então, por maior que fosse a dor, evitava pisar num hospital.

A única vez que abrira exceção foi por Samuel. Naquela época, decidira operar para não ser mais motivo de vergonha por sua surdez.

Não imaginava que voltaria tão cedo.

Mas foi. Um passo de cada vez, atravessou o saguão e enfrentou o medo.

O médico retirou os fragmentos de vidro do joelho com expressão séria.

— O ferimento é grande. Precisa tomar antibiótico na veia. Vou prescrever o soro. — Disse, sem aceitar recusas.

Eloá queria sair o quanto antes, mas teve que ceder.

No quarto, pálida e sem ter comido o dia inteiro, seu corpo cedeu à febre.

Enquanto o soro pingava, recebeu uma mensagem de Serena.

Era um link.

As palavras em destaque saltavam da tela:

"Revelada a noiva misteriosa de Sr. Samuel, é ela!"

No vídeo, Samuel aparecia carregando Mirela nos braços, saindo apressado da multidão. O rosto dele refletia pura preocupação.

O que mais chocava era o perfil oficial do Grupo Albuquerque curtindo a publicação.

Era uma exibição pública de afeto, escancarada, deliberada.

Nos comentários, a internet vibrava:

"Casal perfeito! Que se casem logo!"

"Agora entendi porque ele nunca quis se casar... era ela o tempo todo!"

Eloá olhou por muito tempo para aquela curtida.

Sabia: sem o aval de Samuel, a conta corporativa nunca faria aquilo por impulso.

Demorou a responder Serena.

Quando tentou digitar, as mãos tremiam tanto que o celular escorregou.

Com medo de puxar o acesso do soro, ela se virou com cuidado e se abaixou para pegar o aparelho.

Foi quando ouviu uma voz familiar do lado de fora da porta:

— Por enquanto, fique nesse quarto menor. Já mandei preparar a suíte, logo estará disponível.

— Não precisava se incomodar tanto... — Disse uma voz feminina.

Eloá ergueu o olhar. Reconheceu as silhuetas.

Samuel estava ali. Segurava Mirela com cuidado exagerado, como se ela fosse feita de vidro.

Mirela se apoiava no ombro de Samuel. Ele, com um sorriso indulgente, beliscou de leve o rosto dela.

Diante dos três ali reunidos, foi Samuel quem quebrou o silêncio, visivelmente desconfortável:

— Você... também está aqui?

Eloá sentiu o amargo subir pela garganta. Ela era a noiva, mas parecia a intrusa.

— A Mirela se machucou mais feio. Trouxe ela pra dar uma olhada.

Ao ouvir a explicação, um sorriso leve desenhou-se nos lábios dela. Sem dor, só uma resignação tranquila.

Tão conveniente.

Ficou em silêncio. Observava o soro quase no fim, os olhos pesando.

Mirela se aproximou, segurou a mão dela com falsa ternura:

— Você não está chateada, né? Fui eu que pedi para o Samuel ficar comigo...

Eloá tentou se afastar, mas Mirela a puxou com mais força. Na confusão, tombou ao chão.

Samuel reagiu de pronto:

— Eloá, isso foi demais! Ela tá machucada, e você nem tenta mostrar um pouco de compaixão?!

O tom alto atraiu olhares curiosos pelo corredor.

Ele percebeu o excesso. A mandíbula travada, como se quisesse dizer algo, mas nada veio.

Logo depois, ajeitou Mirela na maca com todo o cuidado. Ajustou o travesseiro, murmurando reclamações sobre o conforto da enfermaria.

Eloá não esperou mais.

Esticou o braço, retirou a agulha do soro com firmeza.

Virou-se e saiu, sem olhar para trás.

Samuel correu atrás, tocando-lhe o ombro:

— Você está bem?

— Já está resolvido.

Ele hesitou por um instante. Claramente havia mais por vir.

— Faz um caldo bem nutritivo, algo pra recuperar. Mirela tá bem abatida. Se puder ser rápido, melhor. Eu fico esperando aqui no hospital.

Era noite, e o vento frio já não incomodava mais. Tudo nela estava entorpecido.

Caldo nutritivo? Por um arranhão superficial?

Ela sabia muito bem o tamanho real do ferimento.

— Samuel, você ainda tem coração?

Ele explodiu:

— Mirela acabou de sair de um divórcio. Está frágil, é normal que eu me preocupe! E você vem fazer drama?! Até na festa você empurrou ela de propósito, e eu nem reclamei! O que mais você quer?!

— Eu? A exagerada sou eu?

Era só olhar as câmeras. Mas ele escolheu acreditar em Mirela.

A injustiça apertou o peito dela.

O curativo no joelho continuou o sangue, que voltava a manchar o tecido do vestido.

Samuel não percebeu. Estava ocupado demais tentando conseguir um quarto privativo, com medo de ver Mirela desconfortável.

A corda que segurava Eloá por dentro finalmente arrebentou. Aquela linha tênue entre esperança e dor já não existia mais.

Ela só queria pôr um fim em tudo aquilo.
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