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CAPÍTULO 4

Author: Lira Celestial
Sob a luz branca e intensa, o rosto de Simão pareceu congelar num instante.

Os dedos longos soltaram o pulso de Heloísa e subiram até o queixo dela, apertando com força crescente.

— Heloísa, você acha que o casamento é brincadeira? Casa quando quer e se separa quando quer? Ou acha que eu sou um fantoche seu, que pode controlar como quiser?

— Foi você quem quis casar, agora é você quem quer se divorciar. De onde vem tanta confiança de que eu vou aceitar tudo?

— Eu…

A dor no queixo a fez chorar, as lágrimas pingando uma a uma.

Ela suportou o aperto e respondeu entre soluços:

— Foi culpa minha. Achei que, se a gente se casasse, com o tempo viria o sentimento… Eu não imaginei…

— Não imaginou o quê? Que se cansaria tão rápido? Que não quer mais viver comigo?

— Sim. Eu me cansei.

O olhar dele ficou terrível.

Mesmo assim, Heloísa ergueu o pescoço, tentando se defender.

De repente, ele perdeu o controle.

Segurou o queixo dela e a empurrou para a cama, o corpo alto e forte caindo por cima, beijando-a com raiva.

Ele a beijava com uma fúria descontrolada, e o olhar, profundo como um lago gelado, exalava pura frieza.

Heloísa, tomada pela indignação, tentou empurrá-lo com todas as forças, mas ele não se movia nem um milímetro.

Três anos de casamento e ele já conhecia cada pedaço do corpo dela, sabia como deixá-la fraca com facilidade.

Envergonhada e furiosa, ela tentou chutá-lo.

Mas ele segurou sua perna e os dedos subiram lentamente pela barra do vestido.

Ele soltou os lábios dela.

O sopro quente e, ao mesmo tempo, frio e distante, roçou-lhe o ouvido:

— Se falar em divórcio de novo, Heloísa, eu juro que vai se arrepender.

Ela gemeu de dor, as lágrimas caindo com mais força.

Ele arrancou o aparelho auditivo dela e a arrastou para o fundo junto com ele.

Durante três anos de casamento, Simão nunca olhou de verdade para ela, mas amava o corpo dela.

Somente na cama, Heloísa sentia que talvez fosse a esposa dele.

Depois que tudo acabou, ela ficou deitada na cama enorme, os olhos refletindo o rosto dele.

Desde criança, ele sempre fora bonito demais.

Nas festas e eventos, era sempre o centro das atenções.

E ela, a menina surda e tímida, ficava escondida num canto, olhando de longe as moças elegantes conversando e rindo com ele.

Perdida em pensamentos, o homem, como sempre, virou as costas para ela, vestiu-se e se preparou para ir embora.

Ao passar pelo retrato de casamento quebrado no chão, Simão parou e disse, frio:

— Cola isso.

Heloísa mordeu o lábio, as lágrimas voltando aos olhos.

Mais uma vez, uma luta inútil.

Mas dessa vez, ela não queria mais ceder.

Queria sair dali, de uma vez por todas.

Levantou-se, vestiu-se em silêncio e, imitando o jeito dele, atravessou os cacos espalhados no chão, sem olhar para trás.

Heloísa não tinha muitos amigos.

A família não era confiável.

A única pessoa em quem podia contar era Yara Veiga, sua melhor amiga.

Yara, claro, já tinha visto as notícias recentes e revirou os olhos.

— Esse desgraçado… você devia ter saído disso há muito tempo.

— Eu só não consigo por causa do Igor. — Heloísa também sentia que já não tinha dignidade, mas, na posição em que estava, pouco podia fazer.

— Por causa do Igor? Ele é o neto mais querido dos Franco, vive cercado de luxo. Tá passando fome? Tá triste?

— Aquela Isadora pode ser falsa, mas é esperta demais pra machucar o filho do Simão.

— E se o menino tá bem e feliz, o que importa com quem ele é apegado? Se gosta tanto de criança, casa de novo e tem outro. Não vale a pena amarrar a própria vida por causa de um ingrato.

— O Igor não é ingrato, ele só tem dois anos, não entende nada ainda.

Heloísa, instintivamente, saiu em defesa do próprio filho.

— E isso muda o quê? Você consegue trazê-lo de volta? A sua paciência e tudo o que você faz por ele vão fazer aquele canalha do Simão mudar de ideia?

— Eu sei que não… Por isso vim me encostar em você.

Heloísa forçou um sorriso.

— Pode ficar tranquila. Se eu consigo me sustentar, claro que consigo sustentar você também.

Yara bateu no peito, confiante.

Ela sempre gastava sem pensar, mas Heloísa era econômica, e cuidar dela não seria difícil.

— Ah, é mesmo, agora que vai se divorciar, pode voltar oficialmente pro estúdio, né? Tô te esperando há tempos!

Quando criaram juntas o estúdio de design de roupas Y&H Studio, Heloísa estava cheia de energia e confiança.

Se não fosse o casamento e o título de esposa do Simão, ela nunca teria desistido no meio do caminho.

Nesses anos ela ainda fez alguns trabalhos, mas o sucesso do estúdio veio principalmente pelo esforço de Yara.

Ela nunca tirou o nome de Heloísa, e isso a comovia profundamente.

— Obrigada, Yara.

As lágrimas voltaram aos olhos.

Somente no trabalho que amava, Heloísa sentia que ainda era alguém.

Naquela noite, depois de sair de casa, Simão viajou a trabalho como estava planejado e ficou fora por três dias.

Quando o carro parou em frente à mansão, ele massageou as têmporas, exausto. Ao levantar o olhar, notou que a casa, que costumava estar iluminada, agora estava completamente escura.

Heloísa tinha medo do escuro.

Mesmo quando dormia, sempre deixava as luzes do quarto e da sala acesas.

Mas Simão não deu importância.

Saiu do carro e foi subindo até o quarto principal, acendendo as luzes pelo caminho.

Ao chegar à porta, seus passos diminuíram sem perceber.

Empurrou a porta, o quarto enorme estava vazio.

A luz da lua passava pelas sombras das árvores, refletindo no chão, que brilhava em pequenos pontos de luz.

Quando acendeu o interruptor, percebeu que aquele brilho vinha dos cacos de vidro do porta-retratos do casamento quebrado.

Heloísa não só não colou a foto de volta, nem sequer recolheu os pedaços.

Ela não dormiu ali nesses três dias?

Simão franziu o cenho.

Ia sair para procurá-la no quarto de hóspedes quando algo no canto do olho chamou sua atenção, um envelope sobre a mesinha de centro.

Pegou o documento e, ao ver o título "Acordo de Divórcio", seu rosto foi mudando, centímetro por centímetro.

Heloísa queria se divorciar dele?

Por um instante, achou que tivesse lido errado.

Mas, ao ver a assinatura no final da página, reconheceu a caligrafia dela.

O choque foi imediato.

Logo em seguida, soltou uma risada curta, cheia de desprezo.

Preferia acreditar que o mundo acabaria a acreditar que Heloísa realmente o deixaria.

Afinal, ela tinha feito de tudo para se casar com ele, até lhe deu um filho.

Como agora teria coragem de se separar?

Essa mulher está ficando cada vez mais ousada.

Aprendeu até a brincar de fazer charme com ele.

Divórcio?

Fuga de casa?

Quero ver quanto tempo aguenta!

Amassou o documento, jogou no lixo e seguiu para o banheiro tomar banho.

O relógio biológico de Simão sempre fora preciso, e nesses anos só Heloísa conseguia acompanhá-lo sem errar um minuto.

Quando ele se levantava, ela já deixava as roupas passadas ao alcance da mão.

Ao descer as escadas, o café da manhã já o esperava na mesa.

Na hora de sair, o terno estava no cabide e a pasta, em suas mãos.

Simples detalhes, mas não eram algo que qualquer um conseguiria fazer com tanta precisão.

Talvez por isso ele sempre achasse que ela vivia como uma empregada.

Naquele dia, ao acordar, não viu roupa alguma preparada.

Desceu e encontrou Dona Tina, a empregada, com um olhar perdido:

— Senhor, o senhor acordou cedo hoje? Eu ainda nem decidi o que fazer pro café...

Ele franziu a testa e lançou um olhar para o relógio na parede.

Assustada, Dona Tina baixou a cabeça e se apressou:

— Me desculpe, senhor! Liguei pra senhora Heloísa, mas ela não atendeu. Não sabia o que preparar... Já vou fazer um macarrão pro senhor agora!

Ela disse isso e já começou a caminhar em direção à cozinha.

— Não precisa. — Disse ele, indiferente, caminhando até a porta.

Dona Tina ficou tomada pela culpa.

Todos os dias era Heloísa quem cuidava das refeições e da rotina do Simão, e como ela raramente saía de casa, a empregada acabou se acostumando à presença dela.

Mas, para surpresa de todos, a esposa sempre tão dócil e obediente… um dia acabaria fugindo de casa.
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