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Capítulo 3

Author: Óscar Lio
Quando Virgínia acordou, a casa ainda estava vazia. Marcus não tinha voltado.

No celular, havia uma mensagem dele:

[Amor, o hospital está muito movimentado hoje. Minha folga foi cancelada. Não fica brava comigo. Amanhã, não importa o quão ocupado eu esteja, estarei com você. Preparei um presente para você. Espere por mim.]

Logo abaixo dessa mensagem, estava uma foto enviada por Aurora cerca de uma hora antes. Na imagem, Aurora e Marcus sorriam lado a lado, sentados à beira de uma piscina termal.

Virgínia segurou o celular com força. A ponta de seus dedos estava quente, quase queimando. Por pouco, ela não ligou para Marcus para perguntar se ele estava ocupado com cirurgias ou com sua amente.

Mas, ao lembrar do plano que tinha em mente, Virgínia segurou a raiva e respondeu apenas com um [Tudo bem].

O fato de ele não voltar para casa, pelo menos, facilitava para ela arrumar suas coisas.

Virgínia começou a empacotar as roupas que Marcus havia lhe dado. Todas seriam doadas para quem realmente precisasse delas. As fotos que estavam penduradas na parede, mostrando momentos felizes do casal, foram retiradas e trituradas no fragmentador de papel.

Ela também pegou as cem pequenas cartas que havia escrito para ele, cada uma contendo um desejo ou sonho dela, e as queimou na varanda. As cinzas se espalharam com o vento.

No entanto, Virgínia evitou se desfazer de muitas coisas, com medo de que Marcus percebesse algo estranho quando voltasse.

No dia seguinte, Marcus finalmente voltou para casa.

Assim que viu Virgínia, ele colocou o bolo que trazia na mão sobre a mesa e abriu os braços, caminhando apressado em direção a ela:

— Estou tão cansado, amor. Preciso de um abraço seu para recarregar minhas energias.

Virgínia deu um passo discreto para trás, e o abraço de Marcus caiu no vazio.

Marcus ergueu uma sobrancelha e perguntou:

— Ainda está brava? Não fica assim. Venha, quero te mostrar a surpresa que preparei para você.

Sem dar a chance de Virgínia responder, ele a puxou pelo braço e a levou até o carro.

Durante o trajeto, Virgínia ficou em silêncio, intrigada. Quando chegaram ao destino, Marcus estacionou em frente a um autódromo e a puxou para fora do veículo.

— E então? Gostou?

Marcus apontou para o carro à frente.

Era um carro de corrida modificado, com o chassi coberto por um design cheio de diamantes rosa brilhante que cintilavam sob a luz, quase cegando quem olhava.

Por um breve instante, os olhos de Virgínia brilharam de surpresa. Ao redor do carro, estavam alguns treinadores do clube, que olhavam para ela com admiração.

Um deles comentou:

— Dizem que essa modificação custou quase 100 milhões. Ele realmente não economizou.

Outro acrescentou, com um tom ainda mais impressionado:

— O preço não é nada. Vocês sabiam que esses diamantes foram colados um por um pelo próprio Marcus? O tempo que ele gastou nisso é o que realmente importa.

— Virgínia, dirige logo! Depois de você, empresta pra gente também. O chefe realmente sabe mimar a esposa, hein?

Enquanto ouvia os comentários, a surpresa inicial de Virgínia foi se dissipando. Uma sensação amarga começou a tomar conta dela, e seus olhos ficaram levemente marejados.

Ela forçou um sorriso, um sorriso que transparecia autodepreciação.

“Todos dizem que Marcus mima sua esposa, mas quem sabe quem é a esposa que ele realmente tem no coração?”

O amor de Marcus era, de fato, tão intenso quanto o calor do verão. Mas esse calor nunca foi direcionado apenas a ela.

As emoções que Virgínia havia reprimido por dias finalmente encontraram uma saída.

Ela entrou no carro, sentou-se no banco do motorista e, sem hesitar, pisou fundo no acelerador. O carro disparou pela pista como uma flecha, deixando apenas um rastro de poeira e o som estrondoso do motor.

Virgínia dirigiu como se estivesse tentando esmagar toda a mágoa, a raiva e a frustração naquele circuito.

Marcus ficou parado à beira da pista, com as mãos nos bolsos. Ele observava cada movimento dela, com um sorriso leve no rosto e os olhos fixos, sem piscar.

Na quadragésima volta, Virgínia viu Marcus fazer um gesto de coração com as mãos para ela. Por um instante, ela perdeu o controle e não segurou o volante com firmeza. O carro de corrida raspou contra a barreira de proteção na lateral da pista.

Uma dor aguda percorreu o dedo do pé de Virgínia, mas, antes que ela pudesse se dar conta do que havia acontecido, Marcus já havia corrido até lá, abriu a porta do carro e a pegou no colo, carregando-a direto para a sala de descanso.

— Está doendo? — Marcus perguntou, com a testa franzida, enquanto segurava cuidadosamente o pé dela. Ele molhou um cotonete com um pouco de antisséptico e começou a aplicar devagar no machucado. — A culpa é toda minha. Não devia ter deixado você dirigir por tanto tempo.

Os movimentos de Marcus eram tão delicados que pareciam feitos para não quebrar um cristal. Seus olhos estavam cheios de preocupação, tão genuína que transbordava.

Mas Virgínia sentia apenas um frio intenso tomando conta de seu corpo.

“Então é assim que o amor pode parecer tão real, mesmo quando é apenas uma encenação”. Ela pensou.

Distraída, Virgínia levantou a mão, querendo tocar os cabelos dele, mas Marcus, sem perder tempo, segurou o pulso dela e inclinou a cabeça, prestes a beijá-la.

Foi quando a porta da sala de descanso se abriu de repente, com força.

Marcus nem sequer levantou o olhar. Ele pegou uma garrafa de água mineral que estava sobre a mesa e a arremessou na direção da porta:

— Saia daqui!

Virgínia virou a cabeça para olhar e viu que, parada na porta, estava Aurora.

Foi só então que Marcus percebeu quem era. Seu rosto mudou de expressão imediatamente:

— Aurora? O que você está fazendo aqui?

Aurora estava com a testa vermelha, onde a garrafa a tinha atingido. Ela abaixou os olhos, mordendo o lábio, enquanto segurava as lágrimas. Suas roupas estavam sujas de lama, e ela parecia especialmente abatida.

— Eu estava treinando com o carro e perdi o controle dos freios. Acabei batendo... Vim buscar o kit de primeiros socorros. — Explicou Aurora, com a voz baixa.

Marcus ficou em silêncio por alguns segundos, mas não respondeu. Ele apenas voltou sua atenção para Virgínia, pegou um curativo e o colou gentilmente no dedo machucado dela:

— Fique sentada aqui e não se mova. Seu pé está machucado, então não ande por aí.

Marcus afastou uma mecha de cabelo do rosto de Virgínia e depositou um beijo suave em sua bochecha:

— Vou dar uma olhada no machucado da Aurora. Volto em alguns minutos. Vou ficar bem aqui na porta. Qualquer coisa, me chame.

Ele pegou o kit de primeiros socorros e saiu da sala.

O silêncio tomou conta do ambiente, tão profundo que Virgínia conseguia ouvir o som do vento do lado de fora.

Alguns minutos se passaram. Virgínia, então, decidiu se levantar e abriu a porta devagar. O corredor estava vazio. Não havia ninguém por perto. Marcus já tinha desaparecido há muito tempo.

Aquela pontada de decepção surgiu por um breve momento em seu peito, mas Virgínia a reprimiu rapidamente.

“Eu já devia ter adivinhado, não é?” Virgínia murmurou para si mesma.

Apoiando-se na parede, Virgínia mancou até o carro de corrida. Ela realmente gostava daquele veículo. Como o céu estava prestes a desabar em chuva, ela decidiu colocá-lo no galpão.

Mas, ao se aproximar do carro, Virgínia parou de repente.

O veículo estava balançando levemente, e sons abafados de vozes escapavam por uma fresta da janela que não estava completamente fechada...
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