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Capítulo 4

Author: Óscar Lio
No vidro da janela do carro refletiam-se duas sombras sobrepostas, visíveis através de uma pequena fresta do tamanho de um dedo, deixada aberta na janela.

Marcus pressionava Aurora contra o banco do motorista, seus dedos acariciando suavemente a testa dela:

— Eu te machuquei quando joguei a garrafa?

Aurora inclinou a cabeça e encostou os lábios nos dele, com um sorriso cheio de fingimento e submissão:

— Não doeu. A culpa foi minha por atrapalhar você e a Virgínia. Eu mereci.

Marcus franziu a testa e deu uma mordida leve e provocadora na bochecha dela:

— Para de falar besteira. Você e ela são os meus tesouros.

Ele apertou a cintura de Aurora com uma das mãos e, com um tom que misturava sarcasmo e malícia, acrescentou:

— Ainda tá com fôlego pra falar?

Marcus segurou a cintura dela com firmeza, prendeu o queixo dela com a outra mão e a beijou de forma intensa e dominadora.

Aurora se debateu brevemente e conseguiu empurrá-lo, falando com um tom carregado de ciúmes:

— Esse é o carro que você deu para ela. Eu não quero fazer isso aqui... Além disso, Virgínia está te esperando na sala de descanso. Você prometeu voltar em alguns minutos.

Marcus segurou o pulso dela com uma mão e o prendeu acima da cabeça, enquanto a outra deslizava pela curva de sua cintura. Sua voz saiu rouca e sombria:

— Está pensando nela agora? Para te deixar quietinha, eu só preciso de alguns minutos.

Não demorou muito para que os suspiros curtos e os gemidos baixos de Aurora se espalhassem pelo ar. Ela acabou se agarrando aos ombros de Marcus, completamente entregue.

Os sons carregados de insinuação escaparam pela fresta da janela, sendo levados pelo vento. Do lado de fora, Virgínia permaneceu paralisada, como se estivesse pregada ao chão. Todo o sangue em seu corpo parecia congelado.

As pernas de Virgínia fraquejaram, e ela quase caiu de joelhos. A dor em seu peito era como se alguém tivesse esculpido um buraco ali à força, deixando-a sufocada e com a visão escurecida.

De repente, uma lembrança invadiu sua mente. No dia em que o clube foi inaugurado, Marcus parecia uma criança ansiosa por um elogio. Ele esperava que Virgínia dissesse algo, mas ela estava tão emocionada que só conseguiu chorar, sem conseguir pronunciar uma palavra.

Ele não se importou. Apenas a puxou para o banco de trás de um carro de corrida, suas respirações quentes e aceleradas, enquanto ele tentava arrancar suas roupas. Virgínia também estava tomada pelo momento, mas ainda assim conseguiu empurrá-lo com firmeza e disse:

— Marcus, os carros de corrida são o meu maior sonho. Quero que eles permaneçam puros.

Naquele instante, Marcus ficou imóvel. Virgínia achou que ele ficaria irritado, mas, em vez disso, ele arrumou cuidadosamente as roupas dos dois, sentou-se ereto e levantou três dedos, com os olhos brilhando intensamente:

— Eu juro. A partir de agora, os carros de corrida também são o meu sonho. Por toda a eternidade, terei respeito por eles e nunca...

As duas palavras que ele sussurrou em seguida ao ouvido de Virgínia “fazer amor” a fizeram corar até a alma.

Por causa daquela promessa, Virgínia acreditou que Marcus era o homem da sua vida.

Mas agora, Marcus estava fazendo amor com outra mulher, profanando no carro de corrida aquilo que ela mais prezava.

Virgínia não conseguiu mais sustentar o peso do próprio corpo. A dor em seu pé era insuportável, e as chaves do carro caíram de sua mão. Ela despertou de seus pensamentos e tentou se afastar, mas percebeu que as pessoas dentro do carro sequer notaram sua presença.

Ela forçou um sorriso que parecia mais um choro. Ela mordeu com força os nós dos dedos e sufocou os soluços que lutavam para escapar de sua garganta.

Foi nesse momento que começou a chover. A fresta da janela foi fechada, e a visão de Virgínia foi bloqueada.

Lançando um último olhar para o carro, ainda balançando levemente, Virgínia se abaixou, pegou a chave do chão e a jogou no bueiro mais próximo.

No banco de trás do carro, Aurora ergueu o olhar no momento exato e, através do retrovisor, viu a silhueta de Virgínia indo embora. Um sorriso vitorioso curvou seus lábios.

A chuva veio rápida, mas também foi embora tão rapidamente quanto chegou.

Quando Marcus abriu a porta da sala de descanso, Virgínia ainda estava sentada na mesma posição de antes.

Ele soltou um suspiro de alívio e, afrouxando um pouco a gola da camisa, agachou-se na frente dela:

— Virgínia, vamos. Vamos para casa.

Quando Virgínia abaixou a cabeça, viu uma marca vermelha e fresca no pescoço de Marcus. Curiosamente, ela não sentiu nenhuma emoção.

Ela não pediu para que ele a carregasse. Com dificuldade, apoiou-se na parede e mancou até o carro. Quando abriu a porta do passageiro, ela viu Aurora sentada no banco do motorista.

Marcus rapidamente se aproximou para explicar:

— Aurora se inscreveu em uma competição pequena. Quero que ela aproveite esse trajeto para treinar. Você pode orientá-la, Virgínia?

Virgínia hesitou por um momento, mas acabou assentindo. Por mais que ela detestasse Aurora, respeitava qualquer pessoa que amasse os carros de corrida de verdade.

Se Virgínia soubesse que Aurora nem sequer possuía uma carteira de motorista básica, nunca teria aberto aquela porta.

O carro arrancou de forma desajeitada, ziguezagueando pela pista, e o coração de Virgínia disparou. Ela estendeu a mão para pegar o volante, mas Aurora a empurrou com força.

— Se não quer morrer, tira a mão! — Virgínia gritou, com os olhos vermelhos de raiva.

Mas Aurora continuou com o pé firme no acelerador, sem demonstrar a menor intenção de soltar o volante.

Um estrondo ensurdecedor foi seguido pelo grito de Marcus:

— Virgínia!
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