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Capítulo 5

Author: Óscar Lio
Virgínia suportou a dor lancinante na perna enquanto fazia um esforço quase sobrenatural para responder ao grito desesperado que havia ouvido:

— Marcus... Eu estou aqui...

Mas ninguém respondeu. Virgínia abriu os olhos de súbito, apenas para encontrar sua visão embaçada pelo sangue que escorria. Tudo o que viu foi o interior vazio do carro. Só restava ela ali. A pessoa que havia chamado seu nome não estava mais lá para salvá-la.

No instante em que sua consciência começou a se apagar, Virgínia foi lançada em um sonho, um sonho que a levou de volta ao dia em que Marcus a seguiu até Los Angeles.

Naquela época, o clube de automobilismo ao qual Virgínia pertencia se recusava a liberá-la, e Marcus, com os olhos vermelhos de raiva e determinação, desafiou o clube para uma corrida. Se ele vencesse, ele levaria Virgínia com ele.

Marcus havia acabado de tirar sua licença profissional, tudo por causa dela. Era a primeira vez que ele pilotava um carro de corrida, e ainda assim teve a ousadia de enfrentar o desafio em uma estrada sinuosa na montanha. Virgínia se sentou no banco do passageiro como copiloto, mas o inexperiente Marcus acabou cometendo um erro. Durante uma curva, ele não controlou bem o drift, e o carro arrebentou a barreira, despencando pela encosta.

No meio do caos, Marcus lutou com todas as forças para protegê-la em seus braços. Mesmo com a cabeça sangrando de uma pancada, ele não a soltou por um segundo. Usando o que restava de suas forças, ele a ergueu até uma rocha saliente no teto do carro destruído e gritou com a voz rouca:

— Segura firme!

Entretanto, o próprio Marcus acabou escorregando com a carcaça deformada do carro. Metade do corpo dele ficou pendurada no precipício, à beira de ser esmagado contra as pedras lá embaixo.

Quando finalmente foram resgatados, Marcus estava tão fraco que mal conseguia falar. Deitado no colo de Virgínia, ele murmurava, com a consciência oscilando:

— Virgínia... Eles só querem usar você para ganhar dinheiro, mas eu só quero que você esteja segura... Não importa o quão perigoso seja... Eu sempre vou proteger você... Vem comigo, por favor...

Virgínia estava prestes a aceitar quando a cena escureceu abruptamente, e ela foi arrancada do sonho. Desta vez, ele não a protegeu.

As pálpebras de Virgínia tremeram, e ela abriu os olhos. Uma lágrima escorreu lentamente pelo seu rosto, caindo no travesseiro.

Ao lado da cama, uma voz exclamou, cheia de alívio:

— Virgínia, você acordou!

A enfermeira que estava trocando os curativos também sorriu:

— Finalmente! Dr. Marcus ficou ao seu lado por um dia e uma noite inteiros. Os olhos dele estão vermelhos de tanto cansaço. Sinceramente, eu queria ser irmã dele só para receber um pouco desse cuidado.

Virgínia ainda estava confusa e perguntou, atordoada:

— Irmã?

— Sim! Você não é irmã do Dr. Marcus? — Respondeu a enfermeira enquanto terminava de organizar as coisas. — Hoje de manhã, a esposa dele, Aurora, veio visitá-la. Ela estava chorando tanto que mal conseguia respirar. Antes de sair, ainda pediu que a avisássemos assim que você acordasse.

O som de vidro quebrando ecoou pelo quarto. O copo que Marcus segurava caiu no chão, estilhaçando-se em pedaços.

A enfermeira levou um susto, engoliu em seco e rapidamente se calou, saindo apressada para chamar alguém da limpeza.

O barulho abrupto trouxe Virgínia de volta à realidade. As memórias que haviam sido espalhadas como cacos de vidro começaram a se recompor em sua mente.

Ela lembrou-se do momento em que Marcus segurava Aurora em seus braços, afastando-se com ela, e também da cena em que, à beira da morte, Virgínia estendeu a mão pedindo ajuda, apenas para ser ignorada por ele.

Virgínia levantou os olhos para Marcus. O desespero dele estava estampado no rosto, impossível de esconder. Ela forçou um sorriso frio e murmurou com a voz gelada:

— Explique.

Marcus ficou paralisado por um segundo antes de se apressar em agarrar a mão dela:

— São elas que estão inventando coisas! Elas devem ter nos visto juntos e acharam que você era minha irmã... Elas se confundiram. Eu juro!

Virgínia o encarou por um momento, então respondeu:

— Tudo bem, eu acredito em você.

Virgínia interrompeu Marcus, com uma voz tão neutra que parecia não carregar nenhuma emoção.

As palavras que ele ainda queria dizer ficaram todas presas em sua garganta.

“Não pode ser. Essa não é a Virgínia que eu conheço. Ela deveria estar chorando, gritando, exigindo saber por que ele salvou Aurora primeiro. Ela deveria estar furiosa, questionando por que ele permitiu que os outros entendessem tudo errado sobre a relação deles. Mas não... Ela estava calma, tão calma quanto uma poça de água estagnada.”

O pânico subiu pela espinha de Marcus como uma corrente fria. Ele tentou encontrar algo mais para dizer, mas Virgínia já havia fechado os olhos:

— Estou com sono.

O peso da culpa que Marcus sentia parecia não ter onde se apoiar:

— Virgínia, foi culpa minha. Eu não devia ter deixado Aurora dirigir. Já briguei com ela por isso. Se você está com raiva, pode me bater, me xingar, o que for. Só não guarde isso dentro de você.

Virgínia puxou a mão de volta e, quando abriu os olhos novamente, eles estavam completamente vazios, como um céu sem estrelas:

— Eu estou realmente cansada.

Algo estava muito errado.

O coração de Marcus deu um salto, e uma sensação de desespero começou a envolvê-lo, como um buraco negro que o puxava para dentro. Era como se ele estivesse perdendo algo importante, algo que ele nunca mais conseguiria recuperar.

Ele quis pedir desculpas de verdade, implorar pelo perdão dela, mas antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, um médico entrou no quarto para uma visita de rotina e o chamou para fora.

Assim que Marcus se virou, os olhos de Virgínia ficaram instantaneamente vermelhos. Mas, dessa vez, por mais que doesse, nenhuma lágrima caiu. Seu coração já estava completamente morto. Morrera no momento em que Marcus deu as costas para ela.

Com um gesto rápido, ela enxugou os olhos secos e tentou se convencer de que só precisava de uma boa noite de sono. Amanhã, ao acordar, ela iria embora. Longe daquele homem e de tudo o que ele representava.

Mas, assim que ela fechou os olhos, foi interrompida por uma discussão vinda da cama ao lado.

— Para de chorar! — Gritou uma mulher, com um tom de repreensão. — A moça da cama ao lado é uma piloto de corrida. Agora, com a perna quebrada, ela nunca mais vai poder dirigir. E nem por isso está chorando. Você só torceu o pé. Vai chorar por causa disso?

— Não! Eu não quero quebrar a perna! Não quero! — A voz de um menino pequeno chorando ecoou pelo quarto inteiro, alcançando os ouvidos de Virgínia.

“Perna quebrada?”

A mente de Virgínia explodiu como um trovão ensurdecedor. Era como se algo dentro dela tivesse sido arrancado e destruído ao mesmo tempo.
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