Share

Capítulo 6

Author: Óscar Lio
A mão de Virgínia deslizou rapidamente até a perna, seus dedos tocando o contorno rígido e frio do gesso.

A perna ainda estava lá.

Mas, no segundo seguinte, o coração dela se apertou com tanta força que parecia que ia parar.

Quando seus dedos pressionaram mais abaixo, não importava se ela fazia isso com delicadeza ou força, aquela parte da perna permaneceu completamente insensível, como se fosse um pedaço estranho, algo que não fazia parte do seu corpo.

— Não pode ser... Não pode...

Virgínia murmurou para si mesma, enquanto se apoiava no lençol da cama e tentava se levantar. No entanto, assim que ergueu o corpo alguns centímetros, sua perna direita cedeu de repente, e ela caiu pesadamente no chão.

Na mesma hora, a voz de Marcus ecoou do corredor, carregada de urgência:

— Dr. Rui, não há mesmo outra solução? Ela é uma piloto de corrida!

— Isso vai depender da recuperação. — Respondeu Rui, com uma clara nota de resignação na voz. — Mas eu realmente não recomendo que ela volte às pistas. Com aquela intensidade, qualquer novo impacto na perna pode causar danos irreversíveis.

Depois de um breve silêncio, Marcus respondeu com a voz rouca:

— Certo. Obrigado.

Cada palavra dele soava como um golpe pesado, esmagando o último fio de esperança de Virgínia.

Ela havia nascido para as corridas. Desde a primeira vez que ela colocara as mãos em um volante, sabia que sua vida estava conectada ao barulho dos motores. Mas agora, alguém dizia que ela nunca mais poderia dirigir um carro de corrida.

Aquilo era pior do que a morte.

Quando Marcus entrou no quarto, deparou-se com Virgínia caída no chão. Ele imediatamente se abaixou, desesperado, para ajudá-la. Mas, ao ver o rosto dela coberto de lágrimas, seu movimento parou bruscamente:

— Você ouviu tudo?

Virgínia não olhou para ele. Ela afastou a mão que ele estendia e, com a voz trêmula, perguntou:

— Onde Aurora está?

Os olhos de Marcus vacilaram, como se temesse que Virgínia fizesse algo drástico. Ele se apressou em justificar:

— Aurora é jovem e imatura. Sobre o fato de ela ter dirigido sem ter carteira, eu já briguei feio com ela. Ela também se machucou, Virgínia. Dá para não culpar mais ela? Por favor?

Virgínia levantou a cabeça de repente, os olhos vermelhos de fúria. Foi nesse momento que ela entendeu: Marcus sabia que Aurora não tinha carteira de motorista e, mesmo assim, deixou que ela dirigisse. Não só isso, ele ainda a inscreveu em uma competição.

Era a quarta vez. Quatro acidentes. Quatro vezes que Virgínia acabou em um hospital. E Aurora? Nem sequer um pedido de desculpas decente.

Virgínia quis rir, mas o sorriso que tentou formar foi puxado pelas lágrimas que não paravam de cair, fazendo-o parecer mais doloroso do que qualquer choro.

Mesmo assim, Marcus ainda defendia Aurora.

— E eu? — Murmurou Virgínia, com a voz baixa, quase inaudível. — Eu não posso culpá-la? Então devo culpar quem? A mim mesma? É a minha perna que talvez nunca volte a funcionar, não a dela! E você continua defendendo ela!

Marcus franziu a testa, e um tom de impaciência surgiu em sua voz:

— Virgínia, eu já disse que ela não fez por mal. Por que você insiste em implicar com ela?

Ele fez uma pausa e, sem perceber, deixou escapar um tom de reprovação:

— Além disso, se você não tivesse tentado pegar o volante naquela hora, talvez nada disso tivesse acontecido. Você nunca pensou que poderia ter sido culpa sua?

As palavras de Marcus caíram sobre Virgínia como um balde de água gelada. Todo o sangue em seu corpo pareceu congelar. Mas, em questão de segundos, ela riu.

Seu riso era mais trágico do que qualquer pranto. Sempre que Aurora estava envolvida, Virgínia era automaticamente a errada.

O coração dela, que já estava morto, parecia agora ter sido esmagado em pedaços, reduzido a pó.

Virgínia fechou os olhos e murmurou, com a voz completamente desprovida de emoção:

— Estou cansada. Pode ir embora.

Quando Marcus viu o rosto abatido e vazio dela, sentiu um aperto tão forte no peito que quase o deixou sem ar. Foi só nesse momento que ele percebeu o quanto suas palavras haviam sido cruéis.

Ele abriu a boca, querendo pedir desculpas, mas nada saiu. No fim, ele apenas se virou e saiu do quarto, os passos instáveis como se carregassem todo o peso do mundo.

Nos três dias seguintes, Marcus quase não saiu do lado de Virgínia. Ele mesmo lhe dava os remédios amargos, preparava os pratos que ela costumava amar, e chegou a colocar uma cama dobrável ao lado da dela para dormir ali. Durante a noite, bastava que Virgínia se mexesse um pouco para ele acordar, sempre alerta.

Virgínia parecia um boneco sem alma. Quando Marcus a alimentava com remédios, ela abria a boca. Quando ele a ajudava a se levantar, ela aceitava o apoio. Mas não dizia uma palavra sequer, nem sequer o olhava.

Foi só quando Marcus, incapaz de segurar a tensão, soltou a frase: “Vou organizar um casamento falso com Aurora” que ela finalmente teve alguma reação.

— Tudo bem, eu vou.

O tom de Virgínia continuava indiferente, sem qualquer emoção.

O coração de Marcus afundou. Ele havia imaginado que ela choraria, que ela gritaria ou o confrontaria. Mas nunca havia esperado tamanha apatia.

Ele tentou se justificar, com a voz carregada de uma ansiedade que ele mal conseguiu esconder:

— Virgínia, a família Amorim está atrás da Aurora. Eles querem forçá-la a se casar com alguém de lá. Eu sou o irmão de consideração dela, não posso simplesmente assistir enquanto ela é empurrada para o abismo do sofrimento.

Marcus fez uma pausa, respirou fundo e continuou:

— Então, eu pensei em anunciar publicamente que estamos divorciados. Depois, vou organizar um casamento com Aurora. Mas, por favor, acredite em mim. Esse casamento vai ser uma farsa, e o divórcio também. Assim que resolvermos o problema com a família Amorim, tudo voltará ao normal.

Virgínia ouviu até esse ponto e, de repente, soltou uma risada baixa. Não era uma risada de deboche, nem de autopiedade. Era um riso genuíno, de alívio.

Finalmente, Flávio estava prestes a agir.

Marcus descrevia a família Amorim como um verdadeiro covil de monstros. Mas, para Virgínia, eles eram a única forma de salvação que poderia tirá-la da sensação sufocante de estar se afogando naquele casamento.
Continue to read this book for free
Scan code to download App

Latest chapter

  • Veneno Silencioso   Capítulo 26

    Inês nunca imaginou que Marcus realmente ficaria a noite inteira parado na neve.No final da madrugada, a nevasca ficou ainda mais intensa. Inês olhava pela janela repetidas vezes, inquieta, e Virgínia, percebendo, acabou dando uma olhada também.Quando Marcus viu o rosto familiar de Virgínia surgir na janela, mesmo com os lábios rachados pelo frio e o corpo congelado, ele ainda conseguiu forçar um sorriso.— Srta. Virgínia, isso não pode acabar mal? E se ele morrer? — Perguntou Inês, preocupada.Virgínia, no entanto, puxou as cobertas, fechou os olhos e respondeu com indiferença:— Não vai morrer. E mesmo que aconteça, isso não tem nada a ver com a gente. Vá dormir.Inês ficou impressionada com a frieza de Virgínia, mas ao lembrar de tudo o que ela já havia sofrido, ela sentiu um misto de indignação e alívio. Como se quisesse descarregar sua raiva por tudo o que Marcus havia causado, ela puxou as cortinas com força, bloqueando a visão da janela.Naquela longa noite na neve, Marcus não

  • Veneno Silencioso   Capítulo 25

    Marcus virou-se na direção de onde vinha a voz, a boca entreaberta de choque:— Flávio? O que você está fazendo aqui?Flávio passou o braço pelos ombros de Virgínia, e ao sentir que ela não resistia, apertou um pouco mais, reforçando o gesto:— Sou o noivo dela. Por que eu não estaria aqui?Aquelas palavras soaram como um trovão na cabeça de Marcus. Por um momento, ele não conseguiu ouvir mais nada. Seu cérebro parecia ter parado de funcionar, e ele murmurou, quase sem voz:— Noivo? Isso não é possível... Virgínia, como ele pode ser seu noivo?Os olhos de Marcus ficaram vermelhos, e seus lábios começaram a tremer.Virgínia, sem hesitar, tirou a mão de Flávio de seu ombro e entrelaçou os dedos com os dele, erguendo as mãos entrelaçadas diante de Marcus:— Por que não seria possível? Sou solteira, sem filhos. Ter um noivo é algo tão difícil de aceitar para você?Marcus abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu. Seu olhar estava cheio de descrença, como se o mundo tivesse desmoronado ao seu

  • Veneno Silencioso   Capítulo 24

    Por mais que Marcus gritasse desesperado atrás do carro, o veículo não demonstrou sinal algum de parar. Pelo contrário, o carro acelerou ainda mais, até se tornar apenas um ponto preto no horizonte.Quando a silhueta de Marcus desapareceu completamente no retrovisor, Flávio finalmente começou a diminuir a velocidade.Virgínia lançou um olhar desconfiado na direção dele:— Por que você está dirigindo tão rápido hoje? Aconteceu alguma coisa?Flávio ignorou a pergunta e, do nada, perguntou:— E se o Marcus viesse até você, chorando, pedindo perdão e implorando para reatar? Você aceitaria?As sobrancelhas de Virgínia se juntaram imediatamente, como se tivesse acabado de ouvir algo repulsivo. Ainda assim, ela respondeu com seriedade:— Não. Eu não aceitaria. Prefiro morrer a aceitar.Só de lembrar das coisas que Marcus havia feito, Virgínia sentia um calafrio percorrer seu corpo. Às vezes, ela acordava no meio da noite, atormentada por pesadelos. Em muitos deles, ela desejava que tivesse re

  • Veneno Silencioso   Capítulo 23

    Marcus não sabia que, antes mesmo de chegar ao centro de treinamento, ele já havia se tornado o centro das atenções.Na mente dele, havia apenas um único pensamento:“Concluir o sonho de Virgínia. Correr por todas as pistas do mundo, conquistar todos os campeonatos. Talvez assim, quando eu morrer e encontrá-la, sinta menos culpa.”Antes de chegar ao local, Marcus já tinha ouvido falar de uma lendária treinadora feminina que, nos últimos dois anos, havia formado diversas campeãs em competições internacionais. Apesar de saber que ela só aceitava alunas mulheres, ele decidiu tentar a sorte e ver se conseguiria ser treinado por ela.Assim que entrou na sala de descanso do centro de treinamento, Marcus abordou o primeiro funcionário que viu:— Com licença, poderia me dizer onde está a treinadora da equipe Zero?O funcionário apontou para um lugar próximo:— Ela estava sentada ali agora há pouco. Mas as alunas dela ainda estão lá, pode perguntar para elas.Marcus agradeceu e caminhou rapidam

  • Veneno Silencioso   Capítulo 22

    Flávio sempre achou que Virgínia tinha, pelo menos com ele, uma atitude diferente.Diante dos outros, ela era a aluna exemplar, sempre calma, centrada e impecável. Mas, com ele, ela perdia a paciência, ficava vermelha de raiva e até mesmo sem palavras.Para Flávio, aquilo só podia ser uma prova de amor. Foi por isso que, no dia em que terminaram os exames para a faculdade, ele juntou toda a coragem que tinha e se declarou. Mas Virgínia apenas o olhou, com os olhos cheios de confusão.— Por quê? Você não gosta de mim? — Flávio perguntou, com urgência na voz, que tremia de nervoso.Aos 17 anos, Virgínia franziu o cenho, como se estivesse diante de uma criatura estranha:— Não gosto. Nem de você, dessas flores e nem dos seus amigos bagunceiros. Não gosto de nada disso.Foi a primeira vez que Flávio ouviu um “não” depois de se declarar. Mas ele não queria aceitar:— O que você não gosta em mim? É porque eu entreguei seus modelos de carro para a professor? Ou porque sou feio?Virgínia se vi

  • Veneno Silencioso   Capítulo 21

    Três anos depois, na Itália.Na área de descanso do lado de fora do centro de treinamento de rali, alguns pilotos italianos conversavam animadamente enquanto olhavam na direção da pista.— Vocês ouviram falar? Desta vez tem um azarão vindo do Brasil. Dizem que ele só está no automobilismo há três anos, mas já ganhou todos os campeonatos nacionais. É a primeira vez que ele compete fora do país, e muita gente está apostando na vitória dele. Eu, sinceramente, acho que ele não é tudo isso.— Brasileiro? Melhor não subestimar.Outro piloto, mais alto, estalou a língua antes de comentar:— Você já esqueceu daquela treinadora brasileira? Em apenas três anos, ela formou cinco campeãs mulheres na F1! E durante esse tempo, ela fez a gente, homens, passar vergonha, um atrás da outro.Inês Pimentel, que estava ali perto, ouviu algumas partes da conversa, balançou a cabeça com um sorriso e voltou para o canto de sua equipe.Ela carregava uma garrafa de água mineral que acabara de tirar do refrigera

More Chapters
Explore and read good novels for free
Free access to a vast number of good novels on GoodNovel app. Download the books you like and read anywhere & anytime.
Read books for free on the app
SCAN CODE TO READ ON APP
DMCA.com Protection Status