Share

Capítulo 8

Author: Óscar Lio
Quando Virgínia abriu os olhos novamente, percebeu que estava trancada dentro de um carro.

Seu pescoço ainda latejava levemente, e ela instintivamente levou a mão até o compartimento do passageiro, onde encontrou um pequeno martelo de emergência. Assim que ela o segurou, a porta do carro foi aberta.

Marcus estava parado do lado de fora, com o semblante fechado e uma expressão difícil de decifrar.

— Para onde você acha que vai? — Perguntou ele, com a voz baixa e carregada de autoridade.

Virgínia não respondeu. Ela abaixou o olhar e tentou sair do carro, mas Marcus segurou seu braço com firmeza, puxando-a de volta para o banco. Ele inclinou-se sobre a porta e, com os dentes cerrados, olhou-a profundamente, os olhos vermelhos como um animal:

— Já disse que você não vai a lugar nenhum. Você vai ficar comigo. Sempre.

Virgínia levantou o rosto e o encarou, sem dizer uma palavra. Havia silêncio entre eles, mas o ar parecia pesado.

Marcus continuou a observá-la, mas algo dentro dele parecia quebrar. Ele não disse nada, mas ele, num gesto impulsivo, estendeu a mão, rasgando a roupa dela.

O ar frio tocou sua pele, e Virgínia estremeceu:

— Marcus, o que você está fazendo?

Foi então que Virgínia percebeu o que ele estava prestes a fazer. Ela lutou com todas as forças, mas Marcus a segurou firmemente, impedindo qualquer tentativa de fuga.

— Me solte! Se você fizer isso, eu vou te odiar pelo resto da minha vida! — Gritou Virgínia, desesperada.

Mas Marcus parecia não ouvir. Não importava o quanto Virgínia chutasse, gritasse ou até mordesse seu ombro, ele não recuava. Exausta, sem forças para lutar, ela acabou cedendo, com a voz embargada de lágrimas:

— Marcus... por favor... não aqui no carro... Este é o meu carro de corrida...

As palavras de Virgínia foram abruptamente cortadas por um grito de dor.

Os movimentos de fazer amor do Marcus tornaram-se mais intensos, seu hálito quente roçando o ouvido dela enquanto sua voz, estranhamente suave, sussurrava:

— Virgínia, este é o meu castigo para você. Ainda quer partir?

Virgínia mordeu os lábios com tanta força que o gosto metálico do sangue se espalhou pela língua. Suas lágrimas caíram pesadas sobre o estofado de couro preto, formando pequenas manchas escuras.

Aurora havia destruído suas pernas, mas Marcus parecia decidido a destruir quem ela era.

Nos dias seguintes, Marcus parecia ter perdido completamente a razão. Ele a levou ao autódromo e, em cada um dos seus carros de corrida, ele a possuía.

Virgínia passou de lágrimas e súplicas a gritos e insultos, até que, por fim, ficou completamente entorpecida. De olhos fixos no teto do carro, ela se deixou ser manipulada como uma boneca sem alma, já sem forças nem para chorar.

Foi só depois que Marcus alcançou o clímax no último carro que ele a puxou para seus braços e perguntou:

— Ainda quer me deixar, Virgínia?

Virgínia balançou a cabeça mecanicamente. Ela não queria mais partir. Ela só queria morrer.

Finalmente, Marcus a levou de volta para casa.

Assim que entraram, Virgínia viu na mesa da sala um bolo ainda embalado. Por algum motivo, apenas olhar para ele fez seu estômago revirar. Sem dizer uma palavra, ela subiu para o quarto e, instintivamente, tentou trancar a porta.

Antes que conseguisse, Marcus apareceu atrás dela, segurando a porta aberta com facilidade:

— Virgínia, você não está se comportando como deveria.

Ele segurou suas mãos com firmeza, olhando-a nos olhos:

— Não faça nada que me deixe infeliz. Não quero que você se machuque novamente.

Enquanto Virgínia estava olhando para ele com um olhar fixo e intenso, a porta se abriu de repente, e Aurora entrou no quarto, segurando algo brilhante nas mãos.

— Marcus, qual dessas combina mais com o meu vestido do casamento? — Perguntou ela, exibindo um sorriso satisfeito.

Os olhos de Virgínia se arregalaram ao reconhecer os objetos: era sua medalha religiosa, herdada de sua mãe, e a medalha de campeã nacional de corrida.

— Marcus! — Virgínia gritou, a voz rouca e carregada de indignação. — Essas coisas são minhas!

Marcus, como se seu plano tivesse dado certo, ajoelhou ao lado dela, segurando a medalha religiosa com cuidado. Ele a olhou fixamente e disse, com um sorriso frio:

— Eu sei que são suas. Mas, Virgínia, se você tentar ir embora novamente, não sei o que farei com elas.

Virgínia cerrou os dentes, tentando conter a raiva que queimava em seu peito.

— Você me odeia tanto assim? — Perguntou Marcus, arqueando as sobrancelhas. — Então pare de pensar em fugir. Porque, se continuar, as coisas podem ficar ainda piores.

Virgínia inicialmente achou que ele estava só a ameaçando, mas naquela noite Marcus provou que não estava brincando.

Ele arrancou Virgínia da cama à força, obrigando-a a se ajoelhar no chão e segurando seu rosto com firmeza, direcionando-o para o centro do quarto.

Ali, Aurora estava parcialmente despida, encostada de forma provocante no peito dele.

— Está com raiva? Ou com nojo? — A voz de Marcus era carregada de veneno. — Olhe bem para nós dois. Veja enquanto fazemos amor! E nem pense em fechar os olhos!

Ele disse que aquilo era a punição por Virgínia “não se comportar”. Mas Virgínia apenas olhou, completamente apática, sem piscar. Seu coração já estava morto. O que mais poderia importar agora?

Para evitar que ela tentasse se matar novamente, Marcus começou a controlar tudo o que Virgínia comia e bebia. Ele só lhe dava um pouco de água e pão, o suficiente para mantê-la viva, mas não para que tivesse forças sequer para erguer o braço, quanto mais para tentar algo contra si mesma.

No final, ele ainda colocou a medalha religiosa, que pertencera à mãe de Virgínia, no pescoço de Aurora. Enquanto passava os dedos pelos cabelos da irmã de consideração, ele disse a Virgínia:

— Se você ainda pensar em me deixar, essa medalha vai ficar com Aurora para sempre.

Na véspera do casamento de Marcus e Aurora, pela primeira vez em dias, ele não tocou em Virgínia.

Ele se deitou ao lado dela na cama, abraçando-a por trás. Seu queixo repousava suavemente sobre o ombro dela enquanto ele sussurrava, com uma estranha gentileza na voz:

— Não me odeie, está bem? Virgínia, eu faço tudo isso porque te amo demais. Depois que o casamento com Aurora acabar, quando a situação com a família Amorim estiver resolvida, eu te levo ao cartório. Vamos pegar a certidão de casamento de verdade. Que tal?

Virgínia manteve os olhos bem fechados e não disse uma única palavra.

Na manhã do casamento, Aurora entrou no quarto usando um vestido de noiva branco impecável. Ela fez questão de se aproximar de Virgínia, exibindo a medalha religiosa pendurada em seu pescoço.

— Que pena, hein, Virgínia! — Aurora riu com desprezo. — Eu te avisei para cair fora enquanto podia. Essa sua medalha é horrível. Nem combina comigo, mas o Marcus insistiu em me dar como presente de casamento.

Aurora não fazia ideia de que Virgínia já tinha perdido completamente a vontade de viver.

Nem uma medalha religiosa, nem qualquer outra coisa, nem mesmo se Marcus trouxesse a urna com as cinzas da mãe dela e usasse isso como ameaça, nada mais abalaria Virgínia.

Então, no momento em que Marcus e Aurora saíram juntos, de braços dados, Virgínia virou a cabeça lentamente. Ela ergueu o único braço que ainda conseguia mexer e trouxe o pulso direito até a boca.

Quando ela cravou os dentes na pele, não sentiu nada. Apenas o calor do sangue começando a escorrer lentamente. Uma pequena mancha se formou no chão, mas antes que ela pudesse aumentar, a janela de vidro do quarto foi quebrada com um estrondo.

Um corpo falso foi arremessado para dentro, seguido pela entrada de uma figura alta e esguia.

Entre os cacos de vidro, um rosto masculino e marcante apareceu.

Flávio a encarou com um olhar firme, estendendo a mão para ela:

— Vamos, Virgínia. Eu vim te buscar.
Continue to read this book for free
Scan code to download App

Latest chapter

  • Veneno Silencioso   Capítulo 26

    Inês nunca imaginou que Marcus realmente ficaria a noite inteira parado na neve.No final da madrugada, a nevasca ficou ainda mais intensa. Inês olhava pela janela repetidas vezes, inquieta, e Virgínia, percebendo, acabou dando uma olhada também.Quando Marcus viu o rosto familiar de Virgínia surgir na janela, mesmo com os lábios rachados pelo frio e o corpo congelado, ele ainda conseguiu forçar um sorriso.— Srta. Virgínia, isso não pode acabar mal? E se ele morrer? — Perguntou Inês, preocupada.Virgínia, no entanto, puxou as cobertas, fechou os olhos e respondeu com indiferença:— Não vai morrer. E mesmo que aconteça, isso não tem nada a ver com a gente. Vá dormir.Inês ficou impressionada com a frieza de Virgínia, mas ao lembrar de tudo o que ela já havia sofrido, ela sentiu um misto de indignação e alívio. Como se quisesse descarregar sua raiva por tudo o que Marcus havia causado, ela puxou as cortinas com força, bloqueando a visão da janela.Naquela longa noite na neve, Marcus não

  • Veneno Silencioso   Capítulo 25

    Marcus virou-se na direção de onde vinha a voz, a boca entreaberta de choque:— Flávio? O que você está fazendo aqui?Flávio passou o braço pelos ombros de Virgínia, e ao sentir que ela não resistia, apertou um pouco mais, reforçando o gesto:— Sou o noivo dela. Por que eu não estaria aqui?Aquelas palavras soaram como um trovão na cabeça de Marcus. Por um momento, ele não conseguiu ouvir mais nada. Seu cérebro parecia ter parado de funcionar, e ele murmurou, quase sem voz:— Noivo? Isso não é possível... Virgínia, como ele pode ser seu noivo?Os olhos de Marcus ficaram vermelhos, e seus lábios começaram a tremer.Virgínia, sem hesitar, tirou a mão de Flávio de seu ombro e entrelaçou os dedos com os dele, erguendo as mãos entrelaçadas diante de Marcus:— Por que não seria possível? Sou solteira, sem filhos. Ter um noivo é algo tão difícil de aceitar para você?Marcus abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu. Seu olhar estava cheio de descrença, como se o mundo tivesse desmoronado ao seu

  • Veneno Silencioso   Capítulo 24

    Por mais que Marcus gritasse desesperado atrás do carro, o veículo não demonstrou sinal algum de parar. Pelo contrário, o carro acelerou ainda mais, até se tornar apenas um ponto preto no horizonte.Quando a silhueta de Marcus desapareceu completamente no retrovisor, Flávio finalmente começou a diminuir a velocidade.Virgínia lançou um olhar desconfiado na direção dele:— Por que você está dirigindo tão rápido hoje? Aconteceu alguma coisa?Flávio ignorou a pergunta e, do nada, perguntou:— E se o Marcus viesse até você, chorando, pedindo perdão e implorando para reatar? Você aceitaria?As sobrancelhas de Virgínia se juntaram imediatamente, como se tivesse acabado de ouvir algo repulsivo. Ainda assim, ela respondeu com seriedade:— Não. Eu não aceitaria. Prefiro morrer a aceitar.Só de lembrar das coisas que Marcus havia feito, Virgínia sentia um calafrio percorrer seu corpo. Às vezes, ela acordava no meio da noite, atormentada por pesadelos. Em muitos deles, ela desejava que tivesse re

  • Veneno Silencioso   Capítulo 23

    Marcus não sabia que, antes mesmo de chegar ao centro de treinamento, ele já havia se tornado o centro das atenções.Na mente dele, havia apenas um único pensamento:“Concluir o sonho de Virgínia. Correr por todas as pistas do mundo, conquistar todos os campeonatos. Talvez assim, quando eu morrer e encontrá-la, sinta menos culpa.”Antes de chegar ao local, Marcus já tinha ouvido falar de uma lendária treinadora feminina que, nos últimos dois anos, havia formado diversas campeãs em competições internacionais. Apesar de saber que ela só aceitava alunas mulheres, ele decidiu tentar a sorte e ver se conseguiria ser treinado por ela.Assim que entrou na sala de descanso do centro de treinamento, Marcus abordou o primeiro funcionário que viu:— Com licença, poderia me dizer onde está a treinadora da equipe Zero?O funcionário apontou para um lugar próximo:— Ela estava sentada ali agora há pouco. Mas as alunas dela ainda estão lá, pode perguntar para elas.Marcus agradeceu e caminhou rapidam

  • Veneno Silencioso   Capítulo 22

    Flávio sempre achou que Virgínia tinha, pelo menos com ele, uma atitude diferente.Diante dos outros, ela era a aluna exemplar, sempre calma, centrada e impecável. Mas, com ele, ela perdia a paciência, ficava vermelha de raiva e até mesmo sem palavras.Para Flávio, aquilo só podia ser uma prova de amor. Foi por isso que, no dia em que terminaram os exames para a faculdade, ele juntou toda a coragem que tinha e se declarou. Mas Virgínia apenas o olhou, com os olhos cheios de confusão.— Por quê? Você não gosta de mim? — Flávio perguntou, com urgência na voz, que tremia de nervoso.Aos 17 anos, Virgínia franziu o cenho, como se estivesse diante de uma criatura estranha:— Não gosto. Nem de você, dessas flores e nem dos seus amigos bagunceiros. Não gosto de nada disso.Foi a primeira vez que Flávio ouviu um “não” depois de se declarar. Mas ele não queria aceitar:— O que você não gosta em mim? É porque eu entreguei seus modelos de carro para a professor? Ou porque sou feio?Virgínia se vi

  • Veneno Silencioso   Capítulo 21

    Três anos depois, na Itália.Na área de descanso do lado de fora do centro de treinamento de rali, alguns pilotos italianos conversavam animadamente enquanto olhavam na direção da pista.— Vocês ouviram falar? Desta vez tem um azarão vindo do Brasil. Dizem que ele só está no automobilismo há três anos, mas já ganhou todos os campeonatos nacionais. É a primeira vez que ele compete fora do país, e muita gente está apostando na vitória dele. Eu, sinceramente, acho que ele não é tudo isso.— Brasileiro? Melhor não subestimar.Outro piloto, mais alto, estalou a língua antes de comentar:— Você já esqueceu daquela treinadora brasileira? Em apenas três anos, ela formou cinco campeãs mulheres na F1! E durante esse tempo, ela fez a gente, homens, passar vergonha, um atrás da outro.Inês Pimentel, que estava ali perto, ouviu algumas partes da conversa, balançou a cabeça com um sorriso e voltou para o canto de sua equipe.Ela carregava uma garrafa de água mineral que acabara de tirar do refrigera

More Chapters
Explore and read good novels for free
Free access to a vast number of good novels on GoodNovel app. Download the books you like and read anywhere & anytime.
Read books for free on the app
SCAN CODE TO READ ON APP
DMCA.com Protection Status