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Capítulo 7

Author: Óscar Lio
Ao ver Virgínia sorrir, a expressão sombria de Marcus desapareceu instantaneamente, como se o peso do mundo tivesse saído de seus ombros.

— Virgínia, você pode ficar tranquila. No meu coração, só tem você. Naquele dia, eu fui duro demais com as palavras. Qualquer coisa que você quiser, é só pedir, eu farei. Só não fique mais com raiva de mim, por favor.

Ele se inclinou um pouco para mais perto dela, a voz carregada de uma súplica quase infantil, como se estivesse prestes a chorar.

No passado, Virgínia teria cedido imediatamente. Bastava ele agir assim para que ela perdesse a resistência e se deixasse ser reconquistada. Mas agora, ao olhar para ele, ela só sentia estranheza, como se o homem à sua frente fosse um completo desconhecido. Por dentro, o coração de Virgínia estava tão frio quanto uma superfície congelada.

Ela encarou os olhos suplicantes de Marcus por alguns segundos antes de curvar ligeiramente os lábios em um sorriso irônico:

— Certo, então peça para Aurora se casar com outra pessoa.

O sorriso de Marcus congelou no mesmo instante. Ele ficou rígido, tentando forçar os lábios em algo que remotamente parecesse um sorriso, mas o resultado foi apenas um esgar desconfortável:

— Virgínia, não faça isso.

Ele estendeu a mão, tentando tocar o rosto dela, mas Virgínia virou a cabeça, esquivando-se do toque.

Marcus insistiu, agora com um tom de voz mais doce:

— Ela é minha irmã de consideração. Você vai ter ciúmes até disso? Escolha outro pedido, qualquer um. Desde que não seja esse, eu prometo que faço o que você quiser.

Virgínia riu, mas dessa vez mais intensamente. Ela sabia. Sempre soube. Quando o assunto era Aurora, as promessas de Marcus desmoronavam como um castelo de cartas ao menor vento.

— Estou brincando. — Ela recolheu o sorriso, voltando a um tom apático. — Façam o que quiserem, não precisam me avisar.

Ao perceber que Virgínia não iria mais implicar com Aurora, Marcus soltou um suspiro de alívio. O sorriso voltou ao seu rosto, e ele estendeu a mão para bagunçar os cabelos dela como se nada tivesse acontecido.

— Eu sabia que você era a mais sensata. Vou cuidar de algumas coisas agora. Descanse bem.

Assim que a última nota de seus passos desapareceu no corredor, o rosto de Virgínia desabou. Toda expressão que ela ainda mantinha se dissolveu em um vazio absoluto.

Então, era isso. Era para isso que Marcus havia passado os últimos dias ao lado dela, cuidando dela com tanta dedicação. Não era culpa. Não era preocupação. Ele só queria garantir que ela não causaria problemas que atrapalhassem os planos futuros que ele já havia traçado para Aurora.

Um sorriso amargo curvou os lábios de Virgínia. Ela estendeu a mão para debaixo do travesseiro e puxou o celular, ligou para um número familiar:

— Oi, Susana, o acordo de divórcio já está pronto?

Houve um longo silêncio do outro lado da linha. Tão longo que Virgínia pensou que a ligação havia caído. Então, a voz hesitante de Susana finalmente surgiu:

— Virgínia... Você e Marcus não são casados. A certidão de casamento que você me mandou é falsa.

O corpo de Virgínia ficou rígido. Um zumbido ensurdecedor tomou conta de seus ouvidos. Ela apertou o celular com tanta força que seus dedos ficaram brancos, e sua voz saiu trêmula:

— O que você disse?

— É verdade. — A voz de Susana agora era cautelosa, quase um sussurro. — Eu chequei com algumas pessoas. Você está registrada como solteira. E Marcus... ele é divorciado. A ex-mulher dele é Aurora. Eles se divorciaram há dois meses. Aquele carimbo na certidão que você me mandou é falsificado. O documento foi comprado. Vocês não são legalmente casados.

Enquanto Susana falava, sua voz foi ficando embargada, até que ela começou a soluçar. Aquele casamento da Virgínia, que havia sido um evento grandioso e invejado por toda a cidade, era uma farsa desde o início. Quem poderia imaginar que algo tão ostensivo estava, na verdade, fundamentado em uma mentira?

Com as mãos trêmulas, Virgínia abriu a mensagem que Susana havia enviado e clicou no arquivo anexo. A luz branca da tela do celular iluminou seu rosto, que estava tão pálido quanto o brilho frio do dispositivo.

As palavras no documento eram frias, implacáveis, como agulhas envenenadas que se cravavam em seus olhos. Cada linha parecia penetrar mais fundo, perfurando sua alma já destroçada.

O coração de Virgínia, que tantas vezes havia sido esmagado e que ela havia reunido com esforço sobre-humano, foi novamente despedaçado. Desta vez, os cacos eram tão pequenos que nada mais sobrava para juntar.

Ela havia se tornado a outra mulher. Durante dez anos, Virgínia foi a terceira pessoa em um casamento.

Dez anos. Dos dezassete aos vinte e sete. Os melhores anos da sua vida desperdiçados com aquele homem, que no final nem sequer lhe deu um lugar legítimo ao lado dele.

Que piada cruel.

A dor lancinante em suas pernas misturou-se com o aperto sufocante no peito, e Virgínia finalmente não conseguiu mais sustentar aquela fachada de calma.

O silêncio do quarto foi rompido pelos gritos de seu desespero. Ela chorava como se sua alma estivesse sendo arrancada, gritos tão dolorosos que até a pessoa na cama ao lado não conseguiu conter as lágrimas.

Por fim, Virgínia lutou contra a dor, saiu da cama e, preenchida por uma fúria avassaladora, pegou a muleta ao lado. Com passos mancos e trôpegos, ela marchou em direção ao escritório de Marcus, com cada movimento carregado de ódio.

Quando Marcus a viu aparecer na porta, seu rosto iluminou-se inicialmente com surpresa e alegria, mas logo seu olhar mudou ao perceber as pernas trêmulas dela e a palidez em seu rosto. Ele franziu a testa, cheio de preocupação, e correu até ela.

— Virgínia, o que você está fazendo aqui? Suas pernas não estão doendo mais?

Ele estendeu a mão para ajudá-la, mas Virgínia a afastou com um movimento brusco.

Ela ergueu o celular na frente dele, o olhar dela carregado de uma tristeza devastadora:

— Marcus, eu me arrependo profundamente de ter te conhecido nesta vida.

Aquela frase perfurou Marcus como uma lâmina. Ele franziu o cenho, mas seu coração parou quando seus olhos finalmente captaram o que estava na tela.

O sangue sumiu de seu rosto. Ele arrancou o celular das mãos dela e começou a deslizar os dedos freneticamente pela tela, os olhos correndo de uma mensagem para outra. Seu rosto ficou cada vez mais sombrio, até que ele parou na conversa de Virgínia com Susana, onde ela havia escrito: [Eu quero me divorciar.]

Marcus ergueu o olhar de súbito, os olhos cheios de uma mistura de pânico e raiva sombria.

— Você quer se divorciar? — Ele apertou as palavras entre os dentes, sua voz carregada de incredulidade e ameaça. — Você quer me deixar?

Virgínia respirou fundo, o nariz vermelho, enquanto lágrimas de ódio escorriam pelo seu rosto. Ela o encarou sem desviar o olhar:

— Sim! Você é horrível, Marcus. Eu quero ficar o mais longe possível de você!

Sem esperar uma resposta, ela arrancou o celular das mãos dele, os dedos trêmulos enquanto digitava o número de Flávio. Mas antes que a ligação fosse completada, Marcus arrancou o celular de sua mão com um movimento rápido e o jogou no chão com toda a força.

O som do impacto ecoou pela sala, e a tela do celular se estilhaçou em mil pedaços.

Virgínia levantou os olhos, chocada, e encontrou o olhar de Marcus. Os olhos dele estavam vermelhos, cheios de vasos rompidos, e toda a gentileza que ele já mostrara parecia ter desaparecido. O que restava era uma expressão de posse enlouquecida, carregada de um perigo sombrio:

— Eu não vou deixar você ir embora.

O corpo de Virgínia tremeu, mas ela mordeu os lábios e se virou para sair. Mesmo com a dor nas pernas, deu dois passos firmes em direção à porta. Mas, antes que pudesse dar o terceiro, uma dor aguda atingiu a parte de trás de seu pescoço.

Tudo ficou preto. E então, ela perdeu completamente a consciência.
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