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Capítulo 0002

Author: Lauralei
Assim que peguei as contas de madeira, senti algo diferente ao tocá-las. Aproveitando a luz fraca, olhei com atenção e reparei que cada conta tinha gravado o nome Aninha. Foi aí que entendi, de verdade, que tinha acabado para mim.

No dia seguinte, no café da manhã, eu disse para Ricardo em voz baixa:

— Vamos juntos à casa da família Campos?

Por um instante, vi ele ficar tenso, mas logo disfarçou e respondeu, tentando parecer calmo:

— Vamos sim. Assim que tudo passar, a gente volta para casa.

Ele claramente não queria minha presença, talvez com medo de que eu incomodasse Ana, mas tudo que eu queria era ver minha família pela última vez, antes de ir embora.

Chegamos à casa da família Campos e a festa já estava animada. Todo mundo comemorando por Ana estar grávida e por ter sido escolhida para uma exposição internacional de arte. Ana era o centro de tudo, cercada por elogios, todo mundo dizendo que a pintura dela devia ganhar o prêmio, e ainda falavam sobre a tal dedicatória especial de um artista renomado, deixando a obra ainda mais valiosa.

Quando entrei, percebi na hora o desconforto de Ana, mas ela sorriu de um jeito forçado e logo cutucou, com um tom maldoso:

— Júlia, resolveu aparecer? Deve estar com tempo sobrando, né?

Não me dei ao trabalho de responder. Tudo o que fiz foi olhar para a pintura em destaque na sala. No mesmo minuto, me bateu uma dor no peito, era minha pintura, aquela que eu tinha feito anos atrás e mantive guardada com todo carinho, longe de qualquer um. Como ela veio parar ali? Quando virou a obra principal de Ana?

Ela chegou perto, com um sorriso irônico, e falou baixinho, quase provocando:

— Gosta tanto desse quadro assim, Júlia?

Meu olhar foi duro, mas mal tive tempo de reagir. Ana gritou:

— Não!

Ela cambaleou, levou as mãos à barriga, o rosto ficando pálido de dor. O salão virou confusão na hora:

— O que aconteceu?

— Ana está grávida, não pode ser empurrada!

— Alguém, chama ajuda, rápido!

No meio da confusão, ouvi um grito nervoso:

— Aninha!

Eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar, era Ricardo. O jeito preocupado dele me fez perceber, finalmente, que eu não tinha mais nenhum espaço ali.

Ele percebeu que eu estava olhando e tentou manter a calma, falando num tom suave, mas, firme:

— Seja como for, Ana está grávida. Você não deveria ter feito isso.

Foi nessa hora que alguém anunciou que a pintura de Ana tinha sido selecionada para a final e tinha grandes chances de ganhar o ouro. O rosto de Ricardo se iluminou. Era um brilho que eu nunca tinha visto em todos esses anos juntos.

Com a voz baixa, quase um sussurro, perguntei:

— Por que a pintura de Ana é igual à minha?

Ele hesitou, mas logo se recuperou e respondeu fingindo naturalidade:

— Só pode ser coincidência. Talvez o estilo de vocês seja parecido.

Dei uma risada seca e não insisti.

Aquela pintura tinha ficado sob minha guarda, trancada, e só poucas pessoas tinham a chave. Na dedicatória, mesmo com um nome inventado, a letra era inconfundível, igualzinha às anotações que Ricardo fazia das antigas leituras. Não precisava de mais nada para saber quem estava por trás daquilo.

Eu tinha guardado essa pintura para dar de presente em nosso aniversário de casamento. Agora entendia que nem nosso casamento era real, então essa pintura perdeu qualquer sentido.

Sorri para mim mesma, um sorriso vazio, e nem dava para saber o que sentia naquele momento.
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