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Capítulo 2

Author: Grão de Noz
Eduardo não voltou para casa naquela noite.

Na manhã seguinte, bem cedo, Maria recebeu um telefonema do seu mestre Ricardo Simões.

— Malu, você está realmente disposta a viajar comigo para estudar no exterior? Nossa primeira parada será com os Médicos Sem Fronteiras. É perigoso, e pode ser que fiquemos muito tempo incontatáveis e longe de casa! — Ele estava visivelmente animado.

— Sim. Eu já decidi. — Maria respondeu em voz baixa, mas firme.

— Mas você não aceitou antes. — Ricardo, por sua vez, hesitou ao perceber tanta determinação. — Disse que ia se casar com seu namorado. Por que agora...

— Eu estou me preparando para terminar com ele. — Disse Maria, sem rodeios.

O mestre entendeu imediatamente que algo havia acontecido no relacionamento da aluna.

— Você pensou bem? Não vai se arrepender? — Ele suspirou.

— Não vou me arrepender. — Disse Maria.

— Então, nesses próximos dias, organize seus documentos e me envie. Vou providenciar toda papelada. Daqui a um mês, partimos.

Quando desligou, Maria recebeu uma mensagem de Eduardo:

[Malu, surgiu uma emergência na empresa. Preciso viajar a trabalho. Quando voltar à Cidade N, entrarei em contato com você. Seja boazinha e me espere em casa.]

Ela encarou a mensagem por um instante e sorriu com amargura, antes de guardar o celular e começar a preparar sua documentação.

Maria vinha de uma aldeia isolada nas montanhas, onde viviam apenas algumas famílias. Sua avó era a única curandeira do lugar.

Desde os três anos de idade, ela seguia a avó para aprender sobre as propriedades de plantas e minerais, estudando medicina tradicional.

Quando encontrou Eduardo quando ele estava cego. Ela jurou que um dia devolveria a visão a ele e, sem hesitar, matriculou-se em Medicina Clínica na universidade.

Naquela época, Eduardo também era realmente bom para ela, e usou todas as conexões da família Marinho para que o melhor especialista do país a aceitasse como aluna.

Maria tinha um talento nato, e suas habilidades médicas melhoraram rapidamente.

Após conseguir curar a visão dele, ela chamou a atenção de Ricardo, que a aceitou como sua última aprendiz.

Seis meses atrás, Ricardo planejou levar três alunos para estudar no exterior, trocando experiências médicas e enfrentando doenças raras ao redor do mundo. A primeira parada seria junto aos Médicos Sem Fronteiras. Maria agora seguiria com ele e, assim, Eduardo nunca mais a encontraria.

Quando terminou de organizar seus documentos, Maria recebeu de novo uma mensagem de vídeo de um número desconhecido.

Ela abriu e viu Jordana, pálida, recostada nos braços de Eduardo.

— Eduardo, eu só quero ser sua esposa por um mês. Depois que eu morrer, você ainda será da Srta. Maria. Esse é o meu último desejo. Você promete, não promete?

— Jojo, eu prometo. — Eduardo abaixou os olhos, cheio de ternura.

— Obrigada, Eduardo! Eu sabia que você aceitaria. — Os olhos dela brilharam de alegria.

— Edu, e se Maria descobrir que você e Jordana se casaram? — Alguém, em voz baixa, perguntou.

— Ela não vai saber. Quando a Jojo partir, eu voltarei para ela, e continuarei sendo o mesmo Eduardo que a ama de todo o coração. — Ele respondeu.

O vídeo terminou. Logo em seguida, o mesmo número enviou uma foto, era a certidão de casamento de Eduardo e Jordana.

O vermelho vivo na certidão parecia o sangue escorrendo do peito de Maria. Ela fechou os olhos.

Na formatura da faculdade, por um impulso ela pediu Eduardo em casamento. Ele não aceitou. Disse que esse tipo de coisa cabia a ele, o pedido, o casamento, a certidão, tudo deveria ser tratado com solenidade, para dar a ela uma cerimônia perfeita.

Mas, no fim, não era isso. Só a pessoa que não era a certa. Com a Jordana, ele foi correndo assinar os papéis.

No terceiro dia, Maria pediu demissão no hospital e entregou os documentos ao seu mestre para concluir o processo da viagem.

Ao chegar em casa, recebeu outro vídeo do mesmo número.

— Me dá um filho, pode ser? Assim, daqui a um mês, quando eu for embora, eu levo ele comigo... e nós não ficaremos sozinhos. — Jordana, nos braços de Eduardo, dizia com a voz fraca.

— Está bem. — Eduardo respondeu, com ternura.

Ao fechar o vídeo, Maria permaneceu em silêncio por muito tempo, até soltar uma risada amarga. Levantou-se e começou a juntar todas as coisas de casal que tinha com Eduardo, colocando tudo em sacos e jogando no lixo.

— Malu, o que você está fazendo? — De repente, a voz dele surgiu.

Ele estava ao lado dela.

— Só estou arrumando algumas coisas velhas. — Sem virar o rosto, ela respondeu baixinho.

Ao subir, Eduardo logo notou a falta de muitas coisas, inclusive as escovas de dente combinando do casal.

— Nossa escova de dente elétrica não foi você quem comprou recentemente? Por que jogou fora?

— Aquela marca se envolveu em um escândalo. Não quero mais usar. — Maria respondeu após hesitar por um instante.

— Você continua sendo tão exigente. — Eduardo riu de leve e, como sempre, levantou a mão para tocar nos seus cabelos.

— Eduardo, eu sou assim. — Ela desviou do toque e o encarou nos olhos. — Você sabe que eu não tolero ser enganada.

Mas ele não percebeu o verdadeiro sentido das palavras e a puxou para os braços.

— Está bem, está bem. Minha Malu é a garota mais íntegra do mundo.

Maria, ao se lembrar das imagens dele com Jordana, sentiu um enjoo repentino. Empurrou-o com força e virou-se, cobrindo a boca com as mãos, e vomitando algumas vezes.

— Malu, você está grávida? — O rosto de Eduardo empalideceu.

— E se eu disser que sim? — Ela levantou o rosto.

— Tire. Agora não é a hora certa de termos um filho. — Respondeu, sem pensar duas vezes.

Mas com Jordana, ele havia concordado. Haveria alguém mais inadequado para engravidar do que uma paciente com câncer terminal?

Ainda mais sabendo que aquela doença era uma farsa...

— Estou brincando. — Maria soltou um sorriso debochado. — Só estou com o estômago ruim, não comi direito esses dias.

— De novo com o estômago? — Eduardo suspirou de alívio e olhou para ela, preocupado. — Malu, você não está se cuidando quando eu não estou em casa, não é? Da próxima vez, vou te colocar no meu bolso e te levar comigo.

Com carinho, ele preparou o remédio e levou com um copo de água até os seus lábios. No jantar, ele mesmo cozinhou, fazendo todos os pratos de que ela mais gostava.

Se não tivesse visto e ouvido com os próprios olhos e ouvidos, Maria jamais acreditaria que aquele mesmo homem tinha se casado com outra e prometido ter um filho com ela.

À noite, deitados juntos, Eduardo colocou a mão em sua cintura e tentou abrir o botão de sua camisola. Naquele instante, todos os pelos do corpo dela se arrepiaram.

— Não estou me sentindo bem. Não quero. — Ela se afastou para a beirada da cama sem pensar duas vezes.

— Está bem, está bem. Não é sua culpa, é do marido. Eu não vou te incomodar, descanse. — Ele a envolveu com os braços compridos.

Com o rosto enterrado no peito dele, Maria deixou escapar um sorriso irônico.

Marido? De quem, afinal?

Ela fingiu dormir, até perceber que ele pegou o celular.

— Malu? Malu? — Ele perguntou.

Como ela não respondeu, ele se levantou. Logo, o som da porta se trancando ecoou.

Pouco depois, o celular dela vibrou com novas notificações.

Nem foi preciso perguntar para onde ele tinha ido. De olhos fechados, Maria deixou as lágrimas correrem silenciosas. Não sabia ao certo quando adormeceu.

Na manhã seguinte, ela abriu os olhos, exausta. No celular, havia fotos enviadas pelo número desconhecido, eram imagens de Eduardo e Jordana juntos durante a madrugada.

Logo abaixo, também tinha uma nova mensagem de Eduardo:

[Malu, hoje é o aniversário de falecimento da sua avó. Fiquei até tarde resolvendo coisas na empresa, mas às nove vou passar em casa para irmos juntos ao cemitério. Me espere.]

As duas mensagens, lado a lado, soavam como a mais cruel das ironias.

Maria levantou-se em silêncio, colocou ovos para cozinhar e os usou sobre os olhos, tentando desinchar a vermelhidão do choro.
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