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Capítulo 4

Author: Grão de Noz
Após desabafar com a avó em silêncio, Maria levantou-se como uma alma perdida e começou a descer as escadas.

Eduardo permaneceu diante do túmulo, apenas quando o fogo das oferendas se apagou completamente é que ele se virou para ir atrás dela. Mas Maria já estava nos degraus. Quando deu meia-volta para descer, de repente, Jordana soltou um grito agudo e rolou escada abaixo.

— Jojo! — Eduardo correu como se tivesse asas.

No caminho, chegou a trombar com Maria, mas nem sequer percebeu. Seu coração estava em chamas, ele só tinha olhos para Jordana, encolhida no chão.

— Você está bem? Se machucou? Será que fraturou algum osso? Vou te levar ao hospital agora! — Disse e, sem pensar duas vezes, ele a ergueu nos braços e saiu correndo, sem olhar para trás.

Maria ficou caída no chão. O seu braço direito tinha batido violentamente contra a quina do degrau de pedra, abrindo um corte fundo, até o osso. O sangue jorrou, manchando tudo ao redor.

Ela respirou fundo, um calafrio atravessou seu corpo, seus dedos tremiam de dor. Mas, mesmo assim, ela cambaleou até se levantar e caminhou com esforço até o portão do cemitério.

O carro de Eduardo já tinha desaparecido.

Um funcionário do cemitério, ao vê-la com as mãos cobertas de sangue, se assustou. Rapidamente chamou um táxi e a ajudou a entrar no carro. Antes de fechar a porta, pediu ao motorista que a levasse direto para o hospital.

Maria esboçou um sorriso amargo. Um estranho se preocupou tanto com ela, enquanto Eduardo...

No hospital, durante a limpeza e sutura do ferimento, a dor fez o suor escorrer por todo o rosto dela. Mesmo assim, ela não soltou nenhum gemido de dor do início ao fim.

— Você não tem medo da dor? Raramente vejo uma garota tão forte. — O médico não conseguiu conter a admiração.

Maria desviou o olhar para a janela. Depois da morte da avó, ela acreditava que Eduardo seria seu porto seguro. Agora, ela havia expulsado ele da sua vida.

Ela estava sozinha no mundo, para quem ela mostraria fraqueza? Só lhe restava ser forte.

Ao pagar a conta e se preparar para sair, deparou-se com Eduardo vindo em sua direção, meio apoiando Jordana.

Ele parou diante dela, o rosto frio como o gelo.

— Malu, eu já te disse, a Jojo tem câncer, ela não tem muito tempo de vida. Por que você a empurrou? Sabia que isso poderia matá-la? — Perguntou.

Maria fitou o homem que um dia acreditou ser seu companheiro para a vida inteira.

— Eu empurrei ela? Só porque ela disse isso, você acredita que seja verdade? E se eu disser que não fiz isso? — A tristeza a sufocava.

— Malu! — O olhar dele escureceu de decepção. — Fui eu que decidi dar a escultura da casinha para ela. Se ficou brava, deveria ter descontado em mim. Por que descontar numa doente? Onde está a sua bondade? Sua compaixão?

Ele já havia julgado e condenado ela, sem sequer lhe dar a chance de defesa.

O coração de Maria congelou de vez.

— Minha bondade e compaixão não serão desperdiçadas com quem finge estar doente para manipular os outros. — Disse, em tom frio, virando o rosto.

Jordana soluçou baixinho, escondendo o rosto no peito dele.

— A Jojo não está fingindo! — Eduardo franziu a sobrancelha.

Maria não quis mais explicar.

— Se você diz que não está, então não está. — Sua voz soou calma, quase indiferente.

— Você... — Antes que Eduardo terminasse, uma voz surgiu ao lado.

— Malu?

Maria se virou e viu Ricardo, de cabelos brancos, cercado por médicos de jaleco.

— Doutor? O que o senhor faz aqui? — Um leve brilho surgiu em seus olhos.

— Fui convidado para analisar um caso raro de um paciente que deu entrada no hospital. — Ricardo disse, ao se aproximar. — E você? O que aconteceu? Não tinha pedido demissão...

— Machuquei a mão, vim apenas para fazer um curativo. — Maria o interrompeu rapidamente.

— Sr. Ricardo. — Eduardo também se aproximou, respeitoso.

De repente, ele ajudou Jordana a ficar de pé.

— Os médicos disseram que ela só tem um mês de vida. Doutor, suas habilidades médicas são mundialmente renomadas. Acha que pode salvá-la? — Disse com ansiedade.

Normalmente, poucas pessoas teriam a chance de uma consulta com Ricardo Simões.

Alguns médicos ao redor franziram a testa, prontos para interromper, mas Ricardo levantou a mão. Ele olhou para sua aprendiz, Maria, e por um momento observou o rosto da Jordana, apalpou alguns pontos e depois analisou os relatórios médicos.

— Absurdo! — Sua expressão logo se contraiu. — Quem deu esse diagnóstico? Essa moça não tem nenhuma doença terminal. Façam mais exames em outros hospitais.

Jordana gemeu de dor, virou o rosto e cuspiu sangue.

— Sr. Ricardo, mesmo que Maria seja a sua aprendiz, o senhor não pode mentir só para protegê-la, certo? — Eduardo, sem pensar, rebateu.

A chama de esperança no coração de Maria se apagou de vez.

— Eduardo! — Ela avançou alguns passos, encarando Eduardo com firmeza. — Como você ousa duvidar da ética médica do meu mestre?

— Eu me expressei mal... — Ele hesitou por um instante e logo tentou se justificar. — O que eu quis dizer é que talvez outro exame seja mais preciso...

Maria não queria mais olhar para ele.

— Mestre, podemos ir? — Virou-se para Ricardo e pediu.

Ricardo assentiu com seriedade. Os médicos ao redor o seguiram, todos entrando juntos no elevador.

Eduardo estendeu a mão, mas não conseguiu segurar Maria. Voltou-se então para Jordana, preocupado, e a levou no colo às pressas para a enfermaria.

— Agora entendo por que você quis terminar o relacionamento. — Ricardo suspirou, olhando para a sua aprendiz.

Maria permaneceu em silêncio.

— Na vida, existe uma solução pra tudo, menos para a morte. — O mestre deu um leve tapinha em seu ombro.

Ela assentiu.

É verdade. Naquela noite em que o viu sair e depois descobriu o vídeo, pensou que morreria de tristeza. Mas por mais que doesse, ela sobreviveu. Após sofrer mais de uma vez, a dor já não parecia tão insuportável.
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