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Quando o Amor Bate à Porta
Quando o Amor Bate à Porta
Author: Helena Amorim

Capítulo 1

Author: Helena Amorim
Maristela não esperava voltar a ver Aureliano. Naquele dia, ela levou a filha de seis anos ao hospital para uma consulta. A menina tinha uma doença cardíaca congênita e fazia acompanhamento médico regularmente.

Mas, no instante em que Maristela empurrou a porta do consultório, ela ficou paralisada. O homem estava ali, sentado diante do computador, com óculos de armação invisível sobre o nariz reto e elegante. O jaleco branco era impecável, e ele transmitia uma frieza distante, quase aristocrática. Todo o seu ser exalava uma aura de reserva e superioridade.

O rosto de Maristela perdeu completamente a cor. Ela havia agendado uma consulta com o especialista Dr. Breno, mas ele estava fora em atendimento externo.

Seguindo a sugestão da enfermeira, ela trocou o agendamento. A enfermeira explicou que o doutor substituto era um médico recém-retornado do exterior, aluno brilhante do Dr. Breno, e atendia no consultório 8 da cirurgia cardíaca.

Agora, Maristela permanecia rígida à porta, os dedos finos apertando com força a maçaneta. Apressadamente, ela baixou a cabeça e colocou a máscara. Ela só conseguia pensar em uma coisa: sair dali com a filha.

Sete anos se passaram.

"Ele voltou ao país? Quando foi?"

A vida de Maristela seguia tranquila, e ela jamais pensou que cruzaria novamente com Aureliano. Naquele momento, ela se sentia despedaçada por dentro, sem saber como reagir.

Num impulso, ela apertou a mão da filha. A palma dela suava discretamente, enquanto a tensão lhe fazia estremecer as costas.

A voz masculina, baixa e clara, ecoou:

— Pode entrar...

Aureliano levantou os olhos e olhou em direção à porta. Através das lentes, seus olhos pareciam distantes.

No instante em que seus olhares se encontraram, a respiração de Maristela ficou descompassada.

Aos 28 anos, ele era, ao mesmo tempo, o mesmo e diferente do jovem de 21 anos que vestia uma camisa branca.

Aquele homem que, outrora, parecia inalcançável na Universidade Nova Lusitana. Mesmo assim, ele havia vivido um romance secreto com uma mulher gordinha de mais de 90 quilos.

Maristela sustentou o olhar dele com firmeza, rangendo os dentes. Até o gesto de puxar a filha para sair ficou congelado.

Os olhos de Aureliano eram escuros e serenos. Com os dedos, ele batucou levemente na mesa.

— Eulália, não é? Vou dar uma olhada no prontuário.

Maristela retomou o controle, ainda que pálida. Ela levou a mão ao rosto e tocou a máscara, como se ela a reconectasse à realidade. Uma falsa calma tomou conta dela por instantes.

Ele não a reconheceu. Porque agora ela se chamava Maristela, não era mais a Silvana Ferreira de sete anos atrás e nem a antiga "gordinha". Hoje, com 1,70 m de altura, ela tinha pouco mais de 50 quilos.

A menina se aproximou e se sentou na cadeira para o exame. Mais perto, Maristela observava o homem diante dela.

Aquele ar frio e distante preenchia o ambiente, ao mesmo tempo familiar e estranho, fazendo seu peito se contrair. Instintivamente, ela pousou as mãos sobre os ombros finos da filha.

De relance, ela voltou a olhar o rosto dele. Ele usava óculos sem aro, o olhar ainda mais gelado.

Sob o jaleco branco, havia uma camisa igualmente branca, mas de tecido refinado.

Aureliano examinava a menina com atenção, franzindo a testa de vez em quando.

Depois, ele disse:

— Fiquem atentas no dia a dia. O ideal é preparar a cirurgia nos próximos dois ou três anos. Você já deve ter se informado sobre os custos.

Aureliano lançou um olhar discreto para a bolsa de couro preto no braço da mulher, já desgastada nas alças. Nos pés, havia um par de tênis brancos gastos. Ela usava um jeans desbotado. A aparência era simples.

Parecia difícil imaginar que ela pudesse arcar com os custos de uma cirurgia tão cara. Na rotina do hospital, esse tipo de situação era comum.

Mas, naquele dia, Aureliano olhou para ela uma segunda vez. Magra, alta, pele clara, cabelo preso num rabo de cavalo baixo e usava máscara. De longe, ela parecia muito jovem. Mas a filha tinha seis anos.

O pescoço dela era alongado, e alguns fios soltos caíam suavemente sobre a nuca, transmitindo uma delicadeza tranquila. A mulher mantinha o olhar baixo, sem nunca encará-lo. Postada atrás da filha, ela parecia uma escultura, ou uma guardiã.

A máscara cobria quase todo o rosto. Apenas os olhos semicerrados podiam ser vistos. Desde que entrou, ela mal disse uma palavra.

Aureliano franziu levemente as sobrancelhas, supondo que ela estivesse insatisfeita por não ser atendida pelo Dr. Breno e o achando jovem demais.

Então, ele comentou:

— Se você tiver alguma dúvida sobre meu diagnóstico, posso transferir sua consulta para a pediatria. O Dr. Dácio ainda deve estar lá. Você pode levar sua filha para ouvir a opinião dele.

A mulher assentiu em silêncio, a franja escondendo o olhar. Ela disse em voz baixa:

— Desculpe o incômodo.

Em seguida, ela recolheu os papéis sobre a mesa e saiu com a filha.

Aureliano acompanhou o movimento com o olhar, o vinco na testa se aprofundando. Quando Maristela se foi, ele ajeitou os óculos sobre o nariz e voltou ao trabalho.

Ele atendeu dois pacientes em sequência. Depois, ele fez uma breve pausa, colocou água para ferver e atendeu uma ligação do monitor do ensino médio, Félix Costa.

— E aí, tudo certo? Dia 20 desse mês vai ter o encontro da turma do terceiro ano. No grupo da nossa classe, todos que ainda estão na Serra da Lua já confirmaram presença. Você passou esses anos no exterior, agora que finalmente voltou, não pode faltar, né?

— Tudo bem. — Respondeu Aureliano. — Vou ver o meu horário depois, a escala ainda não saiu.

— Você vive ocupado, hein? Organizamos tantos encontros de turma e somente você e a Silvana nunca apareceram. — Ao mencionar Silvana, Félix começou a falar sem parar. — Lembra da Silvana? Aquela que era a mais gorda da turma. Depois que nós nos formamos da faculdade, ela sumiu como se tivesse evaporado. Você se lembra dela? Alô? Alô? Aureliano, está me ouvindo? Por que você não diz nada? O sinal está ruim? Eu não estou ouvindo a sua voz.

A chaleira elétrica sobre a mesa começou a ferver, zumbindo. A água quente transbordou, molhando algumas folhas de papel.

O homem sentado continuava imóvel, ainda com o celular no ouvido. Seu rosto, tão bem definido, permanecia sereno, mas os olhos por trás das lentes revelavam um turbilhão silencioso.

A porta do consultório estava aberta. Uma enfermeira que passava entrou apressada.

— Eita, a água derramou toda. Dr. Aureliano, o senhor está bem?

Aureliano despertou do transe. Ele se levantou, mas não respondeu à enfermeira. Em poucos passos, ele foi até a janela, com o celular ainda apertado na mão e os nós dos dedos esbranquiçados de tanta força.

— Ela nunca participou de nenhum encontro da turma?

Sua voz saiu calma, mas o olhar se tornava cada vez mais sombrio.

— Quem? Oi? Acho que aí está com o sinal ruim. — Félix insistiu. — A Silvana! Não, nunca. Ninguém conseguiu mais contato com ela.

Félix ainda continuava falando, mas Aureliano já não escutava mais.

A jovem enfermeira, com as bochechas coradas, tentou puxar conversa enquanto organizava a mesa, mas notou que ele estava absorto, longe dali, sem interesse em interações. Restou a ela sair em silêncio.

Aureliano parecia preso em seu próprio mundo.

Ainda havia três pacientes marcados para aquela manhã, mas ele estava visivelmente desconcentrado. Ele se forçou a se recompor e, por fim, conseguiu terminar o expediente. Ele abriu a gaveta. Dentro dela, havia uma caixa longa de veludo azul.

Ao abrir a caixa, ele revelou uma caneta-tinteiro preta. A caneta tinha caído no chão dias atrás. Depois de seis ou sete anos de uso, os sinais do tempo eram evidentes: a tinta escorria, a pintura do corpo da caneta estava desgastada.

Após o conserto, ele deixou de usá-la e a guardou com cuidado na gaveta. Aureliano pressionou a testa com os dedos. Um cansaço inexplicável o tomou de repente.

...

Maristela estava com a filha no ônibus. A mente dela girava sem parar.

Sem querer, ela voltou ao dia da festa de sete anos atrás em sua cabeça. Era o aniversário de Aureliano.

Naquele tempo, Maristela também chegou cheia de expectativa até a porta do salão reservado. Lá dentro, o barulho e as risadas eram quase agressivos.

"Caramba, o que é isso no pescoço do Auri? É uma marca de beijo, né?"

"Auri, não me diga que você dormiu com aquela gordinha!"

"Sério mesmo? Aquela gorda era sua namorada?"

"Ah, no escuro, dá tudo na mesma."

"Você está brincando? Eu vi esse boato no fórum da faculdade e não acreditei. Você está mesmo com aquela moça gordinha?"

"É porque aquela gorda ameaçou o Auri com o lance da Rosália, né? Se não fosse isso, o Auri nunca ia se envolver com uma porca daquelas."

E então, veio a voz de Aureliano. A Silvana daquele ano nunca esqueceria.

Talvez a voz dele fosse bonita demais, com um timbre marcante, tão nítido que se sobrepunha às músicas, às chacotas, a tudo.

"Sim. Foi somente uma brincadeira. No mês que vem, eu estou indo embora do país."

Ela ficou parada do lado de fora, com os olhos cheios de lágrimas e o coração comprimido a ponto da dor física. Aureliano vinha de uma família poderosa, da mais alta elite.

Maristela nunca teve ilusões sobre um futuro ao lado dele. Ela sabia desde o começo que ele iria para o exterior.

Aquela noite, no aniversário de 21 anos dele, seria a despedida. Depois disso, ela terminaria a relação. Aquele amor sem promessas virou cinzas diante de tantas palavras cruéis.

E o presente que ela preparou para ele? Era uma caneta-tinteiro preta que custou dois mil reais. Ela trabalhou três meses, em empregos extras, para comprar. Mas os amigos dele riram:

"De onde saiu essa porcaria? Aposto que foi a gorda que deu. E você ainda usa?"

"O Auri nunca usaria uma marca vagabunda dessas. Que vergonha."

...

— Mamãe.

De repente, a filha puxou a mão da Maristela, sacudindo ela levemente. Ela voltou à realidade e abraçou a menina com força.

O rosto dela, com o tempo, ficava cada vez mais parecido com o de Aureliano.

— Mamãe, o médico que me atendeu hoje... Ele é meu pai?
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