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Capítulo 7

Author: Peixe Dourado
A voz fria e indiferente de Afonso ecoou pelos ouvidos de Sabrina, causando-lhe uma sensação especialmente incômoda.

Ela se virou e encarou os olhos escuros dele, que permaneciam gelados e sem emoção, como sempre. Ele não mudara nada. Continuava a ignorar qualquer contexto e, sem pestanejar, colocava a culpa nela e na filha, enquanto defendia Margarida e Diego incondicionalmente.

Antes que Sabrina pudesse dizer algo, Afonso desviou o olhar para Margarida. Sua voz, antes rígida, suavizou levemente:

— Entre e tome o café da manhã.

Ele nem sequer olhou para Cecília. Simplesmente deu meia-volta e entrou no quarto junto com Margarida e Diego, fechando a porta atrás de si.

Sabrina ficou parada no corredor, encarando a porta fechada. Suas mãos se fecharam em punhos tão fortes que as unhas quase perfuraram sua pele.

A frieza de Afonso fazia com que seu olhar se tornasse ainda mais sombrio. Ela se perguntou como foi possível suportar anos de indiferença como aquela. Era quase risível pensar em tudo que havia tolerado.

Se ela tivesse levado Cecília embora mais cedo, se não tivesse insistido tanto em receber algum tipo de atenção de Afonso, talvez sua filha não tivesse enfrentado o mesmo destino trágico na vida anterior.

— Mamãe, eu já me sinto muito melhor. Vamos sair do hospital hoje? — Cecília perguntou, com seu tom calmo e doce.

Sabrina abaixou os olhos e encarou a filha, tão sensível e obediente. Seu coração se apertou ainda mais.

— Cecília, daqui para frente, se alguém te machucar, não aceite calada. Responda. Eu estarei sempre aqui para te proteger, está bem?

Cecília assentiu com a cabeça de maneira obediente e respondeu com firmeza:

— Eu entendi, mamãe.

...

Depois de finalizar os procedimentos para a alta hospitalar, Sabrina levou Cecília para visitar sua avó materna.

Paula, mãe de Sabrina, vivia em uma casa de campo afastada da cidade. Embora a distância fosse considerável, o ar puro e a tranquilidade do lugar eram reconfortantes.

Paula havia se separado de Geraldo, mas o divórcio ainda não havia sido oficializado porque ele se recusava a assinar os papéis. Cansada da situação, Paula decidiu se mudar para o campo, longe de toda a confusão.

Sabrina gostava de trazer Cecília para visitar a avó. Era como um refúgio, um momento para aliviar o coração.

Assim que Cecília viu Paula, correu para os braços da avó, cheia de alegria.

— Vovó! — Cecília exclamou, abraçando-a com força.

Paula riu e a pegou no colo:

— Ah, minha querida! Você está cada dia mais alta! O que você quer comer hoje? Eu mesma vou preparar para você.

— Quero frango empanado!

— Está bem, vou fazer para você.

Depois de brincar e mimar Cecília por alguns minutos, Paula sugeriu que ela subisse para assistir televisão, deixando as duas adultas a sós.

Ela se virou para Sabrina e perguntou:

— Hoje é quarta-feira. O que te trouxe aqui no meio da semana?

Sabrina sentou-se em uma cadeira e desviou o assunto:

— Como estão os negócios?

Paula suspirou, visivelmente cansada.

— Continuam do mesmo jeito.

Paula era dona de uma empresa, mas os últimos anos haviam sido desafiadores. Os lucros despencaram, e a maior parte das operações estava no vermelho.

A situação financeira complicada era um dos motivos pelos quais Geraldo se recusava a oficializar o divórcio. O patrimônio compartilhado e os interesses financeiros entrelaçados tornavam a separação um processo longo e doloroso.

Além disso, Geraldo já tinha outra família. Ele vivia com uma amante e tinha dois filhos com ela, o que só aumentava sua aversão por Sabrina.

Quando Sabrina se casou com Afonso, Geraldo tentou usar o genro para alavancar seus negócios. No entanto, como Afonso não gostava dela, naturalmente não se envolveu nos assuntos de sua família. Por causa disso, Geraldo chegou a explodir de raiva e insultar Paula, dizendo que ela só tinha conseguido criar uma filha inútil.

Sabrina abaixou levemente o olhar. Durante todos esses anos, sempre que tinha algum dinheiro sobrando, ela fazia questão de enviá-lo para sua mãe. No entanto, nunca se aprofundou nos detalhes dos negócios de Paula.

Na vida anterior, Sabrina havia dedicado toda a sua atenção a Afonso, negligenciando tudo ao seu redor. Dois dias antes da morte de sua filha, ela recebeu a notícia de que a empresa de sua mãe havia declarado falência.

— Vou transferir mais dinheiro para você em breve. Use para renovar os métodos de operação da empresa. O modelo atual está ultrapassado e não acompanha as mudanças do mercado. Invista em setores de energia sustentável e substitua os líderes que não conseguem se adaptar.

Paula estreitou os olhos, preocupada.

— De onde você vai tirar esse dinheiro? Não me diga que o Afonso...

— Não. — Sabrina interrompeu, com firmeza. — Eu vou me divorciar dele.

Sabrina esteve casada com Afonso por muitos anos, mas ele nunca se importou com nada relacionado à família Costa. Mesmo quando a família estava à beira da falência, ele não fez absolutamente nada para ajudar.

Por outro lado, quando Margarida, que estava estudando no exterior, ficou sem dinheiro, Afonso transferiu milhões para ela sem sequer piscar os olhos.

Naquela época, se não fosse o tio de Sabrina ter estendido a mão para ajudar, sua mãe provavelmente já teria acumulado uma dívida de bilhões.

Paula olhou para Sabrina com um olhar cheio de compaixão e tristeza. Ela suspirou profundamente e disse:

— Eu sinto muito. Se eu tivesse mais poder, se nossa família tivesse um pouco mais de influência, você não teria passado por tantas humilhações na família Barreto.

Ela desviou o olhar, tentando conter as lágrimas.

— Eu não devia ter deixado você suportar tudo isso por tanto tempo.

Sabrina sorriu, tentando confortá-la.

— Está tudo bem agora.

Ela sabia que cometeria menos erros se pudesse voltar no tempo. O maior deles havia sido insistir em casar com Afonso.

Como muitas mulheres apaixonadas, Sabrina acreditava que, ao sacrificar tudo e se dedicar à família, eventualmente conquistaria o amor de seu marido.

Mas agora ela sabia que o amor não vinha de sacrifícios unilaterais.

Sabrina deixou Cecília com Paula e saiu para resolver sua demissão.

Agora que o pedido de desligamento havia sido aprovado, ela precisava ir até o Grupo Barreto para finalizar o processo.

Ao chegar na recepção da empresa, Sabrina deu de cara com Afonso.

Ele vestia um impecável terno preto e caminhava apressado em direção à saída, com o semblante sério de quem tinha algo urgente para resolver.

Sabrina, com uma expressão tranquila, deu um passo para o lado, abrindo caminho.

Afonso passou por ela como de costume: ignorando completamente sua presença. Não importava o quanto ela tentasse cumprimentá-lo ou chamar sua atenção no passado, ele sempre a tratava como se fosse invisível.

— Afonso, aqui! — Margarida acenou para ele do lado de fora da entrada principal, com um sorriso radiante. — Você não precisava descer para me buscar. Eu poderia ter subido sozinha.

Sabrina desviou o olhar, lembrando-se de como, durante todos aqueles anos, Afonso nunca havia demonstrado esse tipo de consideração por ela, independentemente das circunstâncias. Mas, com Margarida, tudo era diferente.

Ela suspirou e decidiu não se importar mais com o que eles faziam ou deixavam de fazer. Virou-se e entrou no elevador, subindo até o quinto andar, onde ficava o departamento de recursos humanos.

Ao entregar sua carta de demissão, Daise, a responsável pelo setor, pareceu surpresa:

— Então você está mesmo pedindo demissão? Achei que fosse só brincadeira.

Todos na empresa sabiam que Sabrina era apenas uma assistente sem muita relevância. Suas tarefas se resumiam a servir café nas reuniões e organizar pequenos detalhes, já que ela precisava dividir seu tempo entre o trabalho e os cuidados com a filha.

Embora Afonso sempre tivesse deixado claro que não se importava com ela, Sabrina costumava permanecer próxima a ele, acompanhando-o em silêncio. Agora, sua demissão, aparentemente sem motivo, pegava todos de surpresa.

Com uma expressão indiferente, Sabrina respondeu apenas:

— Sim.

Daise, percebendo a frieza em sua voz, começou a especular mentalmente. Para ela, Sabrina não passava de uma mulher que não sabia seu lugar. E, agora que Margarida, a legítima namorada de Afonso, havia aparecido, Sabrina provavelmente reconheceu que era insignificante perto dela.

Afinal, Margarida era uma mulher impressionante: uma profissional brilhante, com dois doutorados – em Finanças Tecnológicas e Engenharia Aeroespacial – e formada em uma renomada universidade estrangeira. Ela e Afonso formavam um casal perfeito, uma combinação de poder e sofisticação. Sabrina, por outro lado, não era nada além de uma sombra sem importância.

— Tudo certo, sua demissão foi processada. — Daise disse, olhando para Sabrina de cima a baixo. — Mas vou te dar um conselho: no seu próximo trabalho, tente não se interessar por quem não deveria.

Sabrina sentiu uma pontada no coração ao ouvir essas palavras.

Era assim que todos a enxergavam? Uma mulher desesperada e sem dignidade, que corria atrás de um homem que nunca a quis?

De repente, ela percebeu como havia sido tola no passado. Talvez a tragédia da sua vida anterior tivesse sido, afinal, uma punição do destino, e só agora ela despertava para isso…

Ela fechou os olhos por um breve momento, respirou fundo e respondeu com frieza:

— Obrigada pela preocupação, mas não preciso de conselhos para minha carreira.

Ela virou-se e saiu do departamento de recursos humanos, descendo novamente para o saguão.

No térreo, viu Afonso e Margarida ainda conversando.

No passado, Sabrina teria ficado radiante por ter a chance de vê-lo duas vezes no mesmo dia. Mas agora, sua simples presença já a incomodava.

Ela acelerou o passo, tentando sair dali rapidamente, mas Afonso, com seu tom de voz calmo e autoritário, a chamou:

— Sabrina, leve uma xícara de café para Margarida no meu escritório.

Margarida imediatamente acrescentou, com um sorriso provocador:

— Eu soube que você faz um café delicioso. O Afonso até comentou que você tem um talento especial para esse tipo de coisa, coisas de casa, sabe? Tão caprichosa! Eu não tenho esse jeito para tarefas tão delicadas. Ah, e prefiro café moído na hora. Não consigo beber café instantâneo.

Sabrina parou de andar e se virou para encará-la. Por um momento, seus olhos brilharam com uma frieza calculada.

— Então peça ao Afonso para moer o café para você. Tenho certeza de que você vai gostar ainda mais.
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