Capítulo 4

Bernardo sempre dizia que comer esse tipo de comida era uma vergonha para a família Santos. Mas não era só isso. Havia muitas outras coisas que, segundo ele, "manchavam" a reputação da família. Não se podia rir alto em público, nem falar em voz alta…

Nesses oito anos, eu me tornei praticamente uma ferramenta sem emoções.

Agora, com a liberdade tão perto, senti meus olhos arderem. Quando terminei de jantar e voltei pra casa, já era dez da noite. Assim que abri a porta, vi Bernardo sentado na sala com o rosto fechado.

Ele tinha me ligado mais de dez vezes naquele dia, e eu não atendi nenhuma.

— Onde você tava? — Perguntou ele, com a voz carregada de irritação.

Troquei os sapatos, lavei as mãos e só então respondi, com frieza:

— Saí pra jantar com uma amiga.

Bernardo se aproximou e, ao sentir o cheiro na minha roupa, sua expressão ficou ainda mais desagradável.

— Eu não falei pra você parar de comer esses escargots? O cheiro é horrível.

Dei um sorriso irônico e perguntei, fingindo curiosidade:

— Quando a Melissa come, o cheiro não incomoda?

A expressão dele ficou ainda mais carregada de desprezo:

— Você e a Melissa não são iguais. Além disso, ela nem faz parte da família Santos.

Eu não disse nada. É verdade, Melissa ainda não fazia parte. Mas logo faria. Qualquer um podia perceber o quanto ela era especial para ele.

No dia seguinte à assinatura do contrato com Letícia, ela viajou para o exterior para cuidar do estúdio. Enquanto isso, entrei em contato com um advogado para redigir os papéis do divórcio. Quando li as cláusulas de que sairia sem nada, apenas assinei o documento sem hesitar.

Foi então que recebi uma mensagem de Melissa com um vídeo. No vídeo, um salão de hotel estava lindamente decorado. No palco, um grande letreiro dizia:

[Bem-vindos à cerimônia de noivado de Bernardo e Melissa.]

No vídeo, Bernardo aparecia conversando com o gerente do hotel sobre os detalhes da cerimônia.

Melissa mandou uma mensagem junto ao vídeo:

— Eu só mencionei que queria me noivar, e ele já decidiu organizar tudo, sem se importar com o que os outros pensam. A cerimônia será daqui a dois dias. Espero que venha!

Dois dias. Seria o dia do meu aniversário de 30 anos. E também o dia em que eu embarcaria para minha nova vida. Bloqueei o número de Melissa imediatamente.

Olhei ao redor do quarto de menos de dez metros quadrados onde vivi por oito anos. Comecei a arrumar minhas coisas.

Durante todo esse tempo na casa da família Santos, nunca comprei nada para mim. Entrei aqui com uma única mala, e agora, ao terminar de arrumar minhas coisas, tudo ainda cabia na mesma mala.

Enquanto fechava o zíper, Bernardo entrou no quarto sem bater:

— Faz um mingau de frutos do mar pra mim.

O tom de comando dele, como se tudo fosse obrigação minha, era algo que eu já esperava.

Pensei comigo: "Essa será a última vez." Então, decidi não discutir.

Quando coloquei o prato de mingau na mesa, Bernardo me olhou com estranheza:

— Por que você anda tão calada?

Antes, eu sempre puxava assunto com ele, mesmo que ele raramente respondesse.

Respondi de forma indiferente:

— Minha garganta tá meio ruim esses dias. Não tô com vontade de falar.

Bernardo fez um som de desdém, pegou o mingau embalado e saiu sem dizer mais nada. Ele não voltou pra casa até o dia do noivado com Melissa.

Deixei o contrato de casamento de oito anos e os papéis do divórcio sobre a mesa. Peguei minha mala, olhei pela última vez para a casa onde vivi por tanto tempo e saí sem olhar para trás.

Pouco antes de embarcar no avião, Bernardo me ligou. Sem hesitar, recusei a chamada e, em seguida, joguei o chip do celular no lixo.

A partir de hoje, eu começaria a correr em direção ao meu futuro. Um futuro que finalmente seria só meu.