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Capítulo 0004

Author: Lívia Moraes
Mesmo sem conseguir sentir cheiro algum, eu podia perceber, pela expressão do Leonardo, o quanto o fedor era insuportável.

O quarto estava completamente fechado, e o ar, há muito, tomado pela podridão. Assim que ele abriu a porta, foi atingido por uma onda nauseante que quase o impediu de abrir os olhos. Seu rosto se contorceu de nojo e pânico.

— Que cheiro é esse... Vitória, que palhaçada você tá aprontando agora? Acha mesmo que vai me enganar?

“Pois é... Como pode estar tão fedido assim, né?

É só o meu corpo... Tomado por moscas, devorado por microrganismos, exalando esse perfume maravilhoso da decomposição.

Mal entrou e já está incomodado?

Então me diga...

Quando abrir a tampa da câmara e vir com os próprios olhos o estado grotesco em que estou...

Qual vai ser a sua reação?”

Apesar do tom ameaçador, a mão de Leonardo tremia quando acendeu a luz.

No momento em que o quarto se iluminou, ele congelou diante da cena.

Bem no centro do cômodo, repousava a câmara de vapor, com metade da altura de uma pessoa. O fogo abaixo já tinha se apagado há dias, restando apenas um silêncio mórbido, carregado de morte.

Ao redor da câmara, uma nuvem espessa de moscas zunia no ar. Era como se celebrassem um banquete macabro. Dançavam no espaço, girando, mergulhando, como convidadas de honra de um festim infernal.

Na superfície do vapor, larvas brancas e inchadas se amontoavam, criando uma camada viva e repulsiva. Tão pequenas individualmente... Mas reunidas, formavam um tapete branco e pulsante.

— Vitória! Sai logo daí! — Gritou Leonardo, paralisado no lugar, sem coragem de dar mais um passo.

De onde estava, quase ri.

“Leonardo... Foi você quem me trancou nesse vapor.

E com três cadeados, ainda por cima.

Achou mesmo que eu sairia andando?”

A única forma de sair... Foi com a alma.

— Vitória! Eu estou sendo generoso! Se não quiser continuar presa aqui, aparece logo!

Ao perceber que eu continuava em silêncio, Leonardo pareceu perder a compostura. Engoliu em seco e, tentando manter a pose, caminhou em direção à câmara de vapor.

Com um chute forte, acertou o vapor. As moscas se espalharam, enlouquecidas, zumbindo por todos os lados. As larvas caíram no chão, estalando sob seus pés.

— Pra tentar me enganar, você teve a capacidade de preparar essa cena nojenta? Você é podre até nisso... Igualzinha ao que é por dentro. — Leonardo soltou uma risada sarcástica e deu outro chute no vapor. — Sai logo! Assina os papéis do divórcio... E a gente nunca mais vai ter nada a ver um com o outro.

Os cadeados da câmara balançaram com o impacto, batendo uns nos outros com um som surdo e metálico. Leonardo pareceu lembrar, de repente, o que tinha feito e arregalou os olhos:

— Então é isso? Você ficou em silêncio esse tempo todo esperando que eu mesmo viesse te libertar? — A expressão de desprezo voltou ao rosto dele. — Vitória... Você adora dramatizar, né? A Carla nem te culpou por ter se queimado com água quente, e você já tá aí bancando a mártir só por ter passado alguns dias nessa câmara?

Aquela cena ainda estava vívida na minha memória.

Naquele dia, eu ainda estava em casa. E Leonardo, com toda a cara de pau, trouxe a Carla com ele.

Ela entrou segurando o braço dele, sorrindo como se fosse dona do lugar. Olhou pra mim com um ar simpático, mas carregado de arrogância:

— Prazer. É a primeira vez que nos vemos, né? Eu sou uma velha amiga do Léo. Nos conhecemos há muitos anos... Espero que você não se importe.

Mas não era verdade.

Eu já tinha visto Carla várias vezes. Estava nas fotos antigas do celular de Leonardo. Naquelas que ele nunca teve coragem de deletar.

Na frente dela, com outra pessoa ali, eu não podia demonstrar o incômodo. Então respirei fundo, peguei as jarras e fui pra cozinha com a desculpa de buscar água, só queria me afastar, tentar me acalmar.

Mas Carla veio atrás.

O sorriso doce havia sumido. Em seu lugar, um olhar frio, venenoso.

— Vitória, não se iluda achando que, só porque está com o Léo agora, eu não tenho mais chance. Eu sou a luz da juventude dele. E você sabe o que isso significa... Né?

Franzi a testa e dei dois passos pra trás, instintivamente.

Algo no meu peito dizia que ela não estava ali só pra falar.

E eu estava certa.

Carla sorriu de canto, vitoriosa... Então, num movimento rápido, agarrou a chaleira que estava sobre a mesa, fervendo, e despejou a água quente sobre o próprio pulso!

— AAAAHHH!

O grito ecoou pela casa.

Leonardo correu da sala, desesperado. Chegou à cozinha e viu Carla com o rosto contorcido de dor, o braço vermelho e queimado.

E eu... Parada ali. Ao lado da chaleira ainda soltando vapor.

Tentei explicar. Jurei que não tinha feito nada. Mas ele não quis ouvir.

Acreditou de imediato que fui eu quem a machucou. Pegou Carla nos braços e a levou direto ao hospital. E eu... Fiquei sentada no sofá, com o coração aos pedaços, esperando.

Quando voltou, não estava sozinho.

Carregava com ele uma câmara de vapor. Metade da minha altura.

Não escutou nenhuma palavra. Não quis saber da verdade. Me arrastou até o vapor e me trancou lá dentro. Ainda colocou água fervendo embaixo, pra garantir que eu aprendesse a lição.

A água respingava na minha pele. Ardia como fogo vivo. Meu rosto se retorcia de dor.

E ele... Ele sorria, satisfeito:

— O que a Carla sofreu, você vai pagar... Mil vezes mais!

Agora, como alma, eu observava.

Leonardo segurava as chaves, como se quisesse abrir os cadeados. Mas hesitava. Muito.

E claro, com aquele nojo todo... Até uma única larva o faria querer desinfetar a casa inteira. Imagina então ver aquele vapor coberto de vermes.

Com esforço, escolheu um canto que parecia ter menos larvas. E, com um movimento firme, puxou a tampa pra cima:

— Vitória... Vamos ver qual é sua palhaçada dessa vez!
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