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Capítulo 0003

Author: Lívia Moraes
O filho que carreguei por nove meses no ventre, suportando todos os sintomas da gravidez, lutando com todas as minhas forças para trazê-lo ao mundo... Morreu bem diante dos meus olhos.

Aquele meu bebezinho... Aquele que dormia tranquilo no meu colo, que sorria e corria pra me abraçar gritando “mamãe” com aquela vozinha doce... Agora estava ali, com o rostinho roxo, uma marca profunda no pescoço. Já não respirava mais.

Desesperada, tentei encontrar algum traço da alma do Dudu ao meu redor. Mas... Não havia nada. Nada.

Carla gritou, assustada, e se jogou nos braços de Leonardo, como se estivesse em choque:

— Léo... E se o Dudu guardar rancor da gente? E se ele vier atrás da gente?!

O rosto de Leonardo se fechou. Claramente, nem ele esperava que aquele filho, sempre tão submisso e calado na sua presença, fosse se suicidar.

— Mordomo! — Ordenou com frieza. — Espalhe que o filho adotivo do Grupo Pereira morreu de uma doença repentina. Tentamos de tudo, mas não resistiu. — Mas então, como se pensasse melhor, interrompeu a si mesmo. — Espera... Esquece. Não precisa divulgar nada. Manda alguém enrolar o corpo num saco qualquer e enterrar por aí. Que seja como se ele nunca tivesse existido.

Me virei bruscamente para encará-lo, incrédula com o que acabara de ouvir.

Negar a existência do Dudu... Já era monstruoso o bastante. Mas nem ao menos uma sepultura decente? Queria simplesmente jogá-lo na terra como lixo?

O mordomo também parecia chocado. Encarou Leonardo, mudo, com os olhos cheios de dor. Ficou assim por longos segundos, sem dizer uma única palavra.

— O que está esperando?! Vai logo! Ou está pedindo demissão?! — Esbravejou Leonardo.

Foi então que o mordomo pareceu tomar uma decisão. Soltou um longo suspiro e, com mãos trêmulas, retirou o molho de chaves do cinto. Colocou-o com cuidado no chão.

— Sr. Leonardo, fui eu quem viu o senhor crescer. E também vi o pequeno Dudu nascer e dar os primeiros passos. Nos tempos em que o senhor estava na pior, foi a dona Vitória quem ficou ao seu lado. Foi ela quem acreditou no senhor, quem caminhou com o senhor, passo a passo, até tudo melhorar. Mas desde que a dona Carla voltou... Tudo mudou. Agora, a dona Vitória está trancada viva naquela câmara escaldante... E até o próprio filho dela, o senhor quer jogar fora como se fosse lixo? Me desculpe... Mas não posso mais seguir ao seu lado.

Antes de sair, o mordomo lançou um último olhar profundo a Leonardo. Um olhar pesado, cheio de decepção. Seu corpo parecia dobrar de cansaço de uma vez, como se, em segundos, tivesse envelhecido cem anos.

— Você... — Leonardo tentou dizer algo.

Mas Carla o interrompeu imediatamente, a voz cheia de pavor:

— Léo! A gente precisa se livrar logo do corpo! Dizem que o espírito de criança morta é o mais vingativo! Rápido, chama alguém pra limpar tudo!

O mais vingativo...

Eu queria tanto que fosse verdade.

Queria que o espírito do Dudu estivesse cheio de raiva. Cheio de dor.

Ao menos assim... Talvez eu ainda pudesse vê-lo.

Talvez ainda... Pudesse abraçá-lo, uma última vez.

Leonardo chamou um de seus funcionários de confiança. Enrolaram Dudu num saco velho e o jogaram às pressas num cemitério abandonado, sem lápide, sem nome, sem despedida.

Quando tudo terminou, um ar pesado parecia pairar sobre Leonardo. Uma pressão invisível dominava o ambiente.

Carla tremia. Apoiou-se nele, os braços finos ao redor de seu corpo, a voz embargada de medo:

— Léo... Já faz tantos dias... Você acha que a Vitória... Ainda está viva? Que tal a gente soltá-la logo? A gente se divorcia de vez, e aí sim podemos ficar em paz... Só nós dois... Tudo bem?

Ao ouvir meu nome, mesmo na frente de Carla, Leonardo não conseguiu esconder a impaciência que crescia dentro dele:

— Relaxa. Aquela mulher valoriza tanto a própria vida... Você acha mesmo que ela morreria assim tão fácil?

Mas você errou no cálculo, Leonardo.

Eu não só morri... Como apodreci.

E meu espírito... Ainda vaga ao seu redor. Todos os dias.

Carla quis continuar falando, mas se calou ao ver o olhar frio, cortante, que Leonardo lançou em sua direção.

— A Vitória... Só pode ter um homem nessa vida: eu. Mesmo morta... Ela vai morrer com o meu nome!

Aquilo me pareceu tão... Ridículo.

Ele podia manter um relacionamento sujo com a queridinha de infância. Mas eu? Eu, que era sua esposa, não podia sequer pensar em me libertar dele?

“E quem foi que se afastou primeiro? Foi você, Leonardo.”

Naquela noite, Carla dormia encolhida ao lado de Leonardo. As sobrancelhas franzidas revelavam um sono inquieto, atormentado.

Leonardo, por outro lado, levantou-se da cama em silêncio, como um ladrão, e foi até o quarto onde eu ainda estava trancada.

Eu o observei. No pescoço dele, balançava uma corrente com um crucifixo.

Quanta ironia...

Na época, ele estava em frangalhos, emocionalmente instável, vivendo como um zumbi. Eu, preocupada, fui até uma igreja e pedi aquela corrente, rezando para que o protegesse.

Mas ele riu de mim. Disse que era superstição barata. Que o colar era feio. Que nunca usaria aquilo.

Agora... Depois de matar o próprio filho... E prestes a encarar o corpo cozido da própria esposa... Ele estava usando.

Patético.

Observei enquanto ele respirava fundo, várias vezes, parado diante da porta. A mão tremia sobre a maçaneta. As pernas, fracas, quase cediam. Era como se travasse uma luta dentro de si.

De repente...

— Ah!

Leonardo recuou vários passos num pulo, o rosto tomado pelo pânico.

Uma larva branca e gorda se contorcia em cima da sua mão. Ninguém sabia como ela foi parar ali.

— Vitória! Você tá achando que isso vai me assustar?! — Rosnou, os olhos fervendo de raiva. Como se aquela larva tivesse despertado seu orgulho ferido. Jogou o bicho no chão e pisou com força, esmagando-o sem piedade. — Vitória! Se tiver bom senso, aparece agora mesmo!

E então, com um gesto violento, escancarou a porta.

Um cheiro podre, úmido e sufocante invadiu o ar, tomando o corredor como uma onda de morte.
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