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Capítulo 3

Author: Rubro Lanvar
Não consigo esquecer a voz fria de Renato do lado de fora da enfermaria naquele dia:

— É melhor assim. Isso nunca deveria ter acontecido.

Depois disso, parecia que tínhamos chegado a um acordo silencioso.

Ele continuou a viver como o libertino que era.

E eu me dizia que estava tudo bem, desde que a Família Moreira permanecesse respirando.

Ele podia namorar, desde que não levasse ninguém à morte.

Agora, foi ele quem quebrou a promessa.

A Família Moreira já não passava de uma casca vazia desde a morte dos meus pais.

E ele... eu também não queria mais insistir.

Encostei a cabeça na janela do carro, respirando o ar quente que me sufocava.

Vi-o acalmar Camila antes de voltar para o meu lado.

Abriu a porta, colocou minha mão ao redor do pescoço e me carregou até a sala de emergência.

Por cima do ombro dele, vi Camila fungar e me encarar com desprezo.

Quando ele passou, ela tentou agarrar o casaco dele.

Mas ficou com a mão no ar.

Ele avançava a passos largos, o rosto — uma obra que nem o melhor escultor conseguiria reproduzir — endurecido numa expressão severa.

Ele sempre me dava a ilusão de que, não importava quanto se demorasse, acabaria voltando.

Desta vez, balancei a cabeça. Estava lúcida, enfim.

— Renato, vamos nos divorciar.

Seus passos vacilaram, mas o olhar não caiu sobre mim.

— Hm?

— Divórcio. Está bem?

Sua expressão se alternou: sombria, depois confusa... e por fim, apenas uma risada breve.

— Por que não esperar mais um pouco? Quem sabe, daqui a alguns anos...

Olhou para mim com um sorriso carregado de sarcasmo:

— Talvez eu mude de vida.

Sorri também, com os olhos ardendo, talvez pela febre que voltava a subir.

— O que podemos fazer? Não tem mais novidade... vamos ser apenas companheiros de bar.

Naquele instante, o rosto de Renato se congelou. Cerrou os dentes com tanta força que os músculos do rosto se esticaram em linhas duras.

— Ainda não foi novidade suficiente?

Minha visão já turvava pelas lágrimas, mas forcei um sorriso:

— Não devíamos ter nos casado. Devíamos ter feito como você disse naquela época.

Nesses dez anos, a Família Moreira já tinha recebido todo tipo de auxílio da Família Vieira.

Tornara-se apenas um peso morto.

Por isso, a notícia do nosso divórcio correu rápido.

E parecia que toda a Família Vieira respirava aliviada.

Mesmo ardendo em febre, assinei o acordo de divórcio e caí em sono profundo por dois dias.

Quando acordei, o documento na cabeceira já tinha o nome de Renato no fim.

Fiquei imóvel por alguns segundos. Logo, além da confusão, senti um leve peso de culpa.

O acordo estava longe de ser justo, muito menos digno.

Todos esses anos, cada vez que eu o ajudava a lidar com alguma “ex-namorada”, recebia uma transferência dele.

Guardei cada centavo.

E agora, na partilha de bens, ainda tentei me resguardar.

Ele era esperto demais para não perceber minha “ganância”.

Mesmo assim, assinou sem hesitar.

Isso me deixou em silêncio por muito tempo.

Talvez ele já esperasse que eu tomasse a iniciativa do divórcio.

Mesmo que fosse para pagar para se livrar de mim, era melhor do que seguir mais dez anos presos um ao outro.

Quando minha febre finalmente baixou, arrastei o corpo ainda cansado para arrumar as malas.

Uma década inteira coube em apenas duas malas — e ainda assim não ficaram cheias.

Desci com elas. A empregada e o motorista me observavam de dentro e de fora.

— Srta. Isadora... devemos avisar o senhor que a senhora vai embora?

Balancei a cabeça:

— Não será necessário.

E assim, ninguém se despediu. Ninguém deu um passo à frente.

Apenas congelaram por dois segundos, antes de voltar aos próprios afazeres.

Não senti tristeza. Até eles já sabiam: eu não passava de uma hóspede de passagem.

Quando o carro deixou a Família Vieira, não olhei para trás.

As memórias que me acompanhavam desde a infância se encerravam ali.

No silêncio, o motorista perguntou:

— Deseja um lenço?

Só então percebi que meu rosto estava coberto de lágrimas.

Eu deveria me sentir livre.

Mas um pássaro que viveu preso em uma gaiola, quando subitamente solto, também se perde na vastidão da liberdade.

Do casarão da Família Vieira até o aeroporto, troquei o cartão de embarque e também meu cartão de crédito.

Ao entrar na cabine, caí quase de imediato num sono profundo.

Esses dias, parecia que a fadiga não tinha fim.

Perdida no próprio eixo, só queria, em silêncio, lamber minhas feridas nos sonhos.

Depois de mais de dez horas, finalmente pousei do outro lado do oceano.
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