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Capítulo 2

Author: Rubro Lanvar
Uma montanha de comida estava empilhada no prato à minha frente, mas eu permanecia absorta, olhando para o pulso dele exposto ao arregaçar as mangas.

De quem seria aquele elástico de cabelo?

A náusea que me revirava por dentro já havia roubado todo o meu apetite.

Um homem que descasca camarões para você pode não te amar.

Um homem que não esquece o aniversário de casamento mesmo depois de dez anos pode não te amar.

Um homem que nem tira a aliança para tomar banho também pode não te amar.

Devo agradecer a Renato — tudo isso foi ele quem me ensinou.

Crescemos juntos, dois amigos de infância, quase como se estivéssemos destinados.

Mas isso sempre foi sobre Renato e minha irmã, Juliana Moreira.

Mesmo quando eu ainda mal compreendia o que era amor, já sabia que a Família Moreira e a Família Vieira planejavam se unir em casamento.

Não era que eu nunca tivesse visto o rosto corado da minha irmã nos encontros com ele.

E também não era que eu nunca tivesse presenciado o notoriamente arrogante Renato ficar calado e tranquilo apenas diante dela.

De outra forma, como eu teria guardado, em silêncio, os discos que havia colecionado especialmente para ele, quando ainda era apenas uma garota sonhadora?

No trio, eu não passava da sombra da minha irmã.

Quando o afeto deles atingiu o auge, onde poderia ser o meu lugar?

A tragédia aconteceu quando minha irmã completou vinte anos.

Aquela moça, sempre digna e recatada, fugiu da cerimônia de noivado — mas acabou perdendo a vida no desastre do voo que tomou.

E junto disso, foi revelado o diário dela.

O processo de desintegração e a feiura da Família Moreira vieram à tona, sem mais véus para encobrir.

Descobri que até a timidez podia ser uma encenação; minha irmã havia sido usada como moeda de troca pelos nossos pais.

Por trás do casamento arranjado, não havia amor, mas apenas os cálculos mesquinhos deles.

O único ato em que ela tentou escolher por si mesma custou-lhe a vida.

E eu, às pressas, fui prometida e me casei, carregando sobre os ombros a última esperança da Família Moreira.

Para restaurar a honra da Família Vieira.

Para salvar a Família Moreira da falência iminente.

Durante todo esse processo, nem tive tempo de distinguir se havia mais tristeza ou alegria.

Mesmo como substituta, acabei me casando com o homem por quem já nutria sentimentos desde a juventude.

Mas, na troca de alianças, apenas o meu coração disparou.

No momento do beijo dos noivos, Renato roçou meus lábios de leve e deixou escapar palavras que, até hoje, ecoam entre nós:

— Se você não queria, por que se forçou?

Naquele tempo, tínhamos combinado: cada um tiraria o que precisasse dessa união.

Mas, depois de dez anos de casamento, vejo que fui eu quem se iludiu.

Ele fez tudo da forma mais perfeita possível... mas nunca me amou.

O banquete terminou já de madrugada.

Eu não sabia dizer se era efeito do álcool ou apenas uma dor de cabeça comum.

Adormeci no carro, mergulhada numa sonolência pesada.

Entre sonhos e consciência, ouvi Renato no viva-voz, trocando palavras de carinho com uma nova garota.

As mesmas frases melosas, repetidas vezes.

Ele não se cansava de dizê-las.

Eu, sim, já estava cansada de ouvi-las.

Num breve silêncio, pareceu estender a mão e tocar minha testa.

De repente, o carro freou bruscamente, acompanhado de um palavrão:

— Droga! Você está com febre e nem disse nada.

Ele desligou a ligação às pressas e, atrapalhado, cobriu-me com o casaco.

Acho que ouvi quando me chamou pelo apelido:

— Isa...

Talvez fosse apenas o delírio da febre, mas um sorriso amargo escapou pelos meus lábios.

Ele sempre me chamava pelo nome completo — Isadora Moreira — como se tivesse medo de, ao omitir uma única sílaba, eu me iludir achando que ele havia querido casar comigo em vez da filha perfeita da Família Moreira.

Talvez a doença torne a pessoa mais frágil, mas também mais lúcida.

Um cansaço profundo nasceu dentro de mim.

Cansaço dele.

Cansaço desse amor sem resposta.

O carro retomou o movimento, e a velocidade se misturava com a sensação de vazio.

Ele parecia atender ligações sem parar:

— Logo estaremos aí... Doutor... Vai ficar tudo bem.

Ou talvez fosse apenas minha imaginação.

Até que o carro parou de novo.

Esforcei-me para erguer a cabeça, vi-o soltar o cinto e saltar apressado.

Correu na direção da entrada do hospital, onde uma figura esguia o aguardava.

Camila estava envolvida em seus braços, bem protegida.

As palavras soltas que ele vinha dizendo finalmente se completaram num discurso claro:

— Espere por mim, não faça nada precipitado. Já estou chegando, querida. Vai ficar tudo bem.

Cada palavra era para ela.

De onde eu estava, ouvi os soluços dela, sentidos e frágeis.

E ouvi a voz dele, suave, consolando-a:

— Como eu deixaria você fazer algo que prejudicasse seu corpo?

— Calma, calma. Não vamos nos separar. Vamos conversar com calma sobre a criança.

A dor me arrastou de volta a memórias que eu escondia no fundo do coração.

Porque, seis meses depois do nosso casamento, eu também havia engravidado.

Naquele tempo, eu andava com extremo cuidado dentro da Família Vieira, ao mesmo tempo em que corria de um lado para o outro pelos assuntos da Família Moreira.

Mas, antes mesmo que eu pudesse compreender plenamente a alegria, a gravidez terminou em aborto espontâneo.
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