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Tarde Demais para se Arrepender
Tarde Demais para se Arrepender
Author: Nove Folhas

capítulo 1

Author: Nove Folhas
Na porta do hospital, Leonardo me deixou ali, sangrando em plena gestação, só para levar pra casa a cliente divorciada dele.

Mesmo com o sangue escorrendo pelas minhas pernas, ele foi embora às pressas, sem nem olhar pra trás.

Já era madrugada, e Leonardo, que deveria estar no hospital comigo, no Instagram da tal cliente.

A legenda da foto dizia:

[Ainda bem que tenho meu superadvogado. Quem é que mesmo bêbada ainda tem sopinha pra curar a ressaca? Ah é, eu!]

Passei a noite inteira sem conseguir fechar os olhos.

Na manhã seguinte, liguei com calma:

— Pai, já decidi. Daqui a três dias volto pra casa... vou assumir a empresa.

Do outro lado da linha, ele ficou dois segundos em silêncio, e soltou um longo suspiro.

— Tá bom, filha... volta, o pai te espera em casa.

Ao ouvir a voz dele, engoli o nó na garganta e desliguei.

Depois disso, acariciei meu ventre ainda liso — e as lágrimas vieram sem controle.

O médico tinha dito que o bebê mal tinha se formado. Se eu tivesse chegado um pouco antes, talvez... talvez o final fosse outro.

Perdão, meu amor. Foi culpa da mamãe. Me desculpa.

Chorei como nunca.

A enfermeira entrou no quarto durante a ronda. Já tinha visto muita coisa parecida, mas mesmo assim ficou comovida.

— Uma perda dessas e você está sozinha? Cadê seu marido? Por que ele não veio?

A voz dela era cheia de cuidado.

Fiquei ali, internada por causa de um aborto. E quem veio se importar foi uma enfermeira desconhecida.

Enquanto isso, o meu marido devia estar acordando agora, no meio do carinho de outra mulher.

Enxuguei as lágrimas devagar, e respondi com um gosto amargo na boca:

— Morreu.

A enfermeira baixou os olhos, sem saber o que dizer. E no olhar dela, apareceu uma pena sincera.

Ignorei as orientações médicas e insisti em receber alta.

Com o laudo do aborto nas mãos, senti as pernas fraquejarem.

Meu bebê, tão vivo dentro de mim, agora não passava de um papel impresso.

Mas essa dor não deveria ser só minha.

Voltei pra casa.

Ao entrar, encontrei o vazio que já esperava — Leonardo realmente não tinha voltado na noite anterior.

Homem e mulher, sozinhos, madrugada adentro, quem ia acreditar que não rolou nada?

Antes, eu já teria ligado mil vezes, feito escândalo.

Mas agora só me sentia exausta.

O celular tocou. Era Leonardo.

Assim que atendi, ouvi sua voz preocupada do outro lado.

— Clara, você tá bem? A Valentina teve um problema. Ela bebeu demais ontem à noite e hoje amanheceu com febre. Tô levando ela pro hospital agora.

Esperei ele terminar de falar, e então respondi, com a voz baixa e firme:

— Vocês passaram a noite juntos.

Não era uma pergunta. Era um fato.

Do outro lado da linha, o silêncio durou dois segundos — e então veio a explosão:

— Clara Almeida, que tipo de pensamento podre é esse? A Valentina é minha cliente! Ela ficou mal, claro que eu tinha que cuidar!

— Ela tá aqui do meu lado agora! Já tá abalada com o divórcio, ainda tá doente. Será que você pode parar com essas insinuações nojentas e não deixar ela mais nervosa?

Ouvir meu próprio marido se desdobrando em cuidados por outra mulher me fez soltar um riso amargo.

— Ontem, quando você me largou daquele jeito, chegou a pensar que eu também não tava bem?

Do outro lado, Leonardo pareceu engasgar. Mas logo veio sua voz irritada, como sempre.

— Você já estava no hospital, o que mais podia acontecer? Para de fazer drama. Faz o seguinte: pede desculpa pra Valentina e pronto, fim de papo.

Ri. Um riso frio.

Leonardo, ao ouvir minha risada, achou que eu tinha deixado pra lá.

— Beleza, então. Depois eu marco um jantar com ela, e você pede desculpa.

Assim que a ligação caiu, bloqueei o número dele em todas as redes e contatos.

E reservei o primeiro voo disponível dali a três dias.

Leonardo e eu éramos colegas de faculdade. Namoramos por três anos, casamos por mais três.

Antes mesmo da tal crise dos sete anos, nosso casamento já estava desmoronando.

Todas as nossas brigas tinham o mesmo motivo: Valentina Rocha.

No nosso aniversário de casamento, ela ligou porque o cano da casa estourou. No meu aniversário, ela queimou a mão.

E em todas essas vezes, bastava uma ligação e lá ia Leonardo.

Até quando eu engravidei, até quando perdi o bebê. Nem assim ele conseguiu agir como um marido, como um pai.
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