Capítulo 2

Naquele instante, aquela frase, mesmo dita num tom nada alto, explodiu na minha cabeça feito um trovão. Sem pensar, levantei a cabeça e empurrei o Lucas com força, encarando ele, como se meus olhos pudessem arrancar uma resposta.

Só que ele mal conseguia me encarar, desviava o olhar, todo cheio de culpa, visivelmente perdido.

Meus olhos já estavam brilhando de raiva e decepção quando apontei para Isabela e disparei, numa voz trêmula:

— É verdade o que ela disse, Lucas? Você casou mesmo com ela? Vai me deixar de lado, vai abandonar o nosso filho para fingir que é pai de um bastardo que ninguém sabe de quem é?

Nem deu tempo de terminar, Isabela começou a chorar, limpando as lágrimas com um drama de novela.

— Meu filho não é bastardo, não! Ele tem pai, sim!

Na mesma hora, Lucas ficou desestabilizado. E do nada, sem me dar chance de reagir, me deu um tapa, um estalo tão seco que o rosto ficou queimando por uns bons segundos.

Ele olhou para mim com uma frieza assustadora, tirou a mão de leve, como se nada tivesse acontecido. O olhar dele parecia um balde de gelo.

— Rafaela, pelo visto você tá cada vez mais sem educação! Você acha que pode sair falando qualquer coisa por aí? Tem ideia do estrago que isso pode fazer com a Isabela?

Eu não sabia o quanto isso podia realmente machucar a Isabela. O que eu sabia era que, bem na minha frente, aquele homem já não era mais o mesmo. Passei a mão no canto da boca, sentindo o gosto do sangue se misturando no fundo da boca. Sempre que se tratava da Isabela, Lucas simplesmente perdia o controle.

Minha voz veio quase num sussurro, já no desespero total:

— E como é que você quer que eu reaja? Fique quieta, finja que está tudo bem enquanto meu próprio noivo me larga, larga o filho dele e vai brincar de família feliz com outra?

Minha voz foi se elevando, já nem dava para controlar o choro.

Lucas ficou calado por uns segundos, vi um flash de arrependimento, talvez compaixão, passando pelo olhar dele. Mas logo ele respirou fundo e soltou:

— Isabela não é como você. Ela só tem a mim no mundo. Ela não suportaria os boatos de ser mãe solteira! Espera só mais um pouco, quando o bebê nascer, eu cumpro o combinado. Eu caso com você, prometo.

Ele me puxou num abraço forte, como se um abraço pudesse curar qualquer coisa.

— Confia em mim, Rafaela. Daqui a um ano a gente casa para valer, faz tudo certinho, igual à gente sempre quis.

Fiquei muda. Nem reação eu tive.

Logo Isabela cortou aquele clima todo com pressa:

— Lucas, o bebê já está com fome! Vamos logo, estou morrendo de vontade de comer alguma coisa em casa.

O corpo dele até enrijeceu, mas não demorou para me soltar. Só passou a mão pelo meu cabelo antes de ir embora, me deixando ali plantada, sozinha no hospital.

Enquanto eles sumiam pelos corredores, ficou óbvio para mim que, quando o amor acabava, não precisava de palavras, a ausência falava sozinha.

Voltei para casa depois do exame, um apartamento silencioso e frio, só eu e meus pensamentos.

Tomei banho, me joguei na cama sem muito rumo, torcendo para conseguir dormir logo e esquecer de tudo por umas horas.

Foi aí que ouvi a chave girando na porta. Em pouco tempo, entrou Lucas falando baixo, meio no automático:

— Dormir com o cabelo molhado assim? Vai acabar ficando doente desse jeito.

Não reagi, continuei imóvel. Ele suspirou, foi até mim, me pegou nos braços e me levou até a penteadeira. Ligou o secador e foi espalhando meu cabelo devagar com os dedos, como se quisesse cuidar, ainda que quase doendo.

Quando terminou, eu ainda continuava calada, imóvel.

— Está bolada comigo ainda, né? Eu já falei, assim que tudo passar venho te buscar. Só mais um pouco de paciência. Rafaela, a gente vai casar certinho.

Ele sempre soube como mexer comigo. Soprando no meu ouvido, me arrepiei inteira, mas dessa vez não deixei passar e indaguei, curiosa:

— E se eu disser que não vou aceitar?

Na hora, a expressão dele fechou e ficou sério.

— Rafaela, não estou pedindo sua permissão, só estou te avisando como vai ser. — Ele fez uma pausa, depois baixou o tom, tentando justificar. — Você sabe que a Isabela não tem ninguém. Sobra só eu para ela contar. Não posso largar ela agora.

Logo depois, ele começou a juntar as roupas, organizando tudo numa mala, sem dar um pingo de dúvida.

Antes de sair, deixou uma frase meio fria no ar:

— A Isabela está com os enjôos cada dia pior. Vou passar uns dias com ela. Qualquer coisa, me chama.

Só quando vi a porta fechar e ele indo embora de mala na mão é que me dei conta de que, mais uma vez, eu estava chorando sem nem perceber.

Foi ali que entendi de verdade o motivo dele ter vindo hoje. Não era preocupação comigo, nunca foi. Ele sabia, sim, que eu só tinha ele no mundo, assim como Isabela. Sabia que eu vivia noites péssimas, mal dormia de tanto enjoo. A diferença era que agora para ele, isso já não fazia mais diferença nenhuma.

Perto da Isabela, ficou claro que eu não valia mais nada.